Notícia antiga, de 06/06/2008, da LUSA:
O ministro da Administração Interna, Rui Pereira, inaugurou hoje a “cidade da segurança”, montada na baixa de Águeda, onde as crianças circulam em pequenas viaturas e aprendem a respeitar as regras da condução. (…)
Além de ruas e sinais de trânsito, postos de abastecimento de combustível e oficinas para os pequenos carros motorizados em que as crianças são convidadas a circular, sob a orientação de monitores, existem também para os mais adultos representações comerciais de várias marcas automóveis, alguns dos quais híbridos.
Start them young… Não faria mais sentido ensiná-los algo útil para o presente deles: andar a pé pelas ruas, convivendo com outros peões e com carros e afins, andar de bicicleta – o único meio de transporte próprio a que podem ter acesso, a usar os transportes públicos,…?
O ministro acabou por participar na brincadeira, tentando pilotar um mini todo-o-terreno, mas poucos metros andou.
A incentivar logo a cultura dos SUV na cidade, nice…
“Mais de quatro mil crianças são mobilizadas a participar nas várias actividades da cidade da segurança, para que possam vir a ser cidadãos mais responsáveis”, adiantou.
Promover a educação para a segurança e para o civismo é excelente, mas as crianças podem ser ensinadas para a sua realidade actual e não só para aquilo que serão daqui a 10 ou 15 anos… E porquê assumir que toda a gente será um condutor de automóvel no futuro? Parece ser considerado uma inevitabilidade da vida. 😛 A tendência é justamente a oposta!… Infelizmente, o paradigma actual dominante das acções de educação para a segurança rodoviária é o da criança-futuro-adulto-condutor-de-automóvel (e não condutor de moto ou de bicicleta ou de nada, simplesmente utilizadora de transportes públicos ou adepta de andar a pé). É a educação para o futuro (que pode ter efeitos positivos sobre o comportamento como condutores dos pais, como acontece com a educação ambiental e a reciclagem), negligenciando um pouco a educação para a criança-hoje-ou-amanhã-utilizadora-de-transportes-públicos-ou-passageira-em-automóveis-peão-e-utilizadora-de-bicicleta… Aliás, no final «as crianças participantes no projecto foram inscritas, gratuitamente, como associadas do Automóvel Clube de Portugal, e vão passar a receber correspondência com informações detalhadas relativas à prevenção e segurança rodoviária». E que tal inscreveram-nas também na FPCUB e na ACA-M?… Tudo isto parece-me… como promover o álcool junto de uma população de alcoólicos.
Notícia de 20/06/2008, no Barlavento online:
«Bicicletas vão ganhar terreno em Faro»
(…) Em declarações ao «barlavento», o autarca precisou que os futuros corredores reservados a bicicletas vão, numa primeira fase, ser paralelos às vias existentes, o que irá obrigar «a um controlo máximo da velocidade automóvel».
«A perspectiva é criar uma zona específica e protegida, com sinalética própria, servida por um corredor com 2,20 metros e uma altura de dez centímetros», explicou o edil farense.
2,20 m parece bom para uma via bi-direccional destinada a velocípedes. O facto de estar desnivelada relativamente à estrada também é óptimo, tratando-se de uma via que se pretende segregada. No entanto…:
Mas nem só as bicicletas terão luz verde nestes corredores: pensados como espaços de «mobilidade amiga», os percursos vão igualmente estar reservados aos peões, o que dará ao projecto as características de um circuito de manutenção.
E está o caldo entornado. Primeiro porque traduz logo o conceito em causa: vias recreativas. O que é excelente, também precisamos delas. O problema é que em Portugal, com o nosso actual Código da Estrada, se houver uma destas vias para ciclistas estes são obrigados a circular por elas em detrimento da estrada normal ao lado. As vias são “obrigatórias para ciclistas”, não é como as vias do BUS, “reservadas” (o que implica que estes podem optar). Assim, neste novo cenário em Faro, alguém que use a bicicleta para se deslocar normalmente será forçado a ir pela ciclovia onde conviverão pouco alegremente peões e ciclistas. Isto tornará a viagem mais demorada e mais perigosa do que a opção anterior de seguir pela estrada (e aqui penso que se trata de estradas e ruas urbanas e não de Eixos Norte-Sul e 2ªs Circulares, em que qualquer alternativa é melhor).
De boas intenções está o Inferno cheio, não é o que se costuma dizer? Aplica-se neste caso. A Câmara de Faro, e o parceiro da UALG, o Centro de Investigação em Paisagem, Território e Urbanismo, parecem cheios de boas intenções, o que é louvável, mas aparentam carecer de conhecimentos práticos e até técnicos de como implementar soluções e promover a mobilidade em modos suaves, nomeadamente de bicicleta, fora do contexto recreativo… 🙁
Segundo um estudo apresentado por João Janeiro, um aluno finalista daquela universidade, Faro terá capacidade para, a longo prazo, desenvolver cinco tipos de redes cicláveis hierarquizadas, cuja malha mais importante coincide com o centro da cidade.
Resta esperar por mais informação para saber os detalhes destes “cinco tipos de redes cicláveis hierarquizadas”…