Imaginem o cenário:
4 ciclo-activistas pretendem ir a Aveiro assistir à conferência ‘O Lazer e o Turismo Ciclável em Portugal’. A conferência começa às 9h. A ideia seria fazer uma viagem multimodal baseada na bicicleta e no comboio. A bicicleta para se deslocarem de suas casas até à estação de comboios (Santa Apolónia) e depois por Aveiro (fazer um pouco de cicloturismo pela cicloria, etc), sendo que o comboio permitiria ultrapassar a distância entre Lisboa e Aveiro.
A alternativa seria irem de carro até Aveiro, em regime de carpooling, ou dependerem de carro/táxi/transportes públicos para se deslocarem em Lisboa e em Aveiro, antes de, e depois do comboio, respectivamente.
Vamos então comparar as 2 alternativas mais viáveis (a terceira não é competitiva em termos de preço e rapidez, dado que são um grupo).
Bicicleta & comboio
Dado que as bicicletas só são toleradas nos comboios Regionais e Inter-Regionais, a melhor proposta de IDA é esta (tarde de dia 5 de Novembro):
Partida cerca das 16h15 e chegada pelas 20h45. São 4h25min de viagem, incluindo 2 transbordos, por ~52 € (pode haver lugar a descontos de Ida & Volta ou de Grupos).
Claro que falta ainda contabilizar o tempo e o custo da viagem de casa até Santa Apolónia (talvez 1h30min e 0 € a pedalar todo o caminho, uns 50 min e 5.20 € se apanharem boleia do comboio na linha de Cascais). De notar que a linha urbana de Cascais não está integrada com a da rede nacional (até dá vontade de rir, se não fosse caso para chorar), pelo que há que pedalar entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia (é um instantinho, também).
O maior problema aqui são os transbordos. É que o transporte de bicicletas nos comboios é tolerado, e gratuito, mas não é garantido nos transbordos, pois depende da avaliação do revisor (tipo de material circulante, espaço, lotação, etc) e como não é possível reservar bilhetes/lugares para a viagem inteira, os passageiros arriscam-se a ficar em terra algures a meio da sua viagem. Ora, quem é que se sujeita a isto?… É que não é como se houvesse mais comboios logo a seguir… Ou que haja garantia que no próximo haja vagas…
Bom, para regressar ao final do dia seguinte, após a conferência, só é dada uma alternativa:
São 5h21min de viagem, com 2 transbordos, e chegada a Lisboa depois da meia-noite. E pouca margem para o fim da conferência, dado que a partida é pelas 18h45. Depois há ainda que chegar a casa, em Oeiras.
Carro
Pelo VIAMICHELIN, a viagem de ida, de carro, desde Oeiras, faz-se em 4h45min, por 45 €. A partida é às horas que o grupo quiser. E o mesmo se aplica ao regresso.
Comparação
Desde casa até Aveiro.
Bicicleta & comboio: 5h15min de viagem, 14.30 € / pessoa. Sujeito aos horários dos comboios e à disponibilidade de ligações. Conforto inferior ao do automóvel (comboios regionais e interregionais costumam ser de menor qualidade do que os intercidades e alfa-pendulares). Trabalho extra a cada transbordo (por causa das bicicletas). Incerteza acerca da continuação da viagem aquando de cada um dos 2 transbordos. Desconhecimento acerca das condições para transportar e prender as bicicletas (espaço? sistemas de retenção?)… Viagem relaxada, todos podem aproveitar o tempo para algo mais que não apenas conversar (o acessível no carro), como ler, etc.
Carro: 4h45min, 11.25 € / pessoa. Extras não contabilizados: custos de deslocação em Aveiro. Flexibilidade de horas de partida, alterações à rota, etc. Mais cansativo (condução, inactividade física), monótono (paisagem), mais perigoso (sinistralidade rodoviária), mais caro (desgaste do veículo não contabilizado).
Não é por 3 € (com os descontos esta diferença pode até desaparecer) ou mesmo pelos 30 minutos a menos de viagem que se optará pelo automóvel. O mais preponderante será mesmo o facto de que não é dada ao passageiro quando compra o seu bilhete a garantia de que poderá fazer a viagem toda no horário previsto. Nesses termos, mesmo quem viaja sozinho provavelmente escolherá o carro apesar de a despesa ser muito maior (não há mais gente com quem dividi-la). Depois disso a qualidade das composições (e, logo, da viagem de comboio propriamente dita) e o tempo e condições oferecidas em cada transbordo (será que 5 minutos ou menos dá para tirar as bicicletas de um comboio, localizar o da ligação seguinte, ir até lá, e carregar as bicicletas?).
Agora comparemos com as alternativas que não são oferecidas a quem queira levar a bicicleta no comboio (mesmo que se pagasse por isso):
Intercidades:
Alfa-pendular:
Não há transbordos, o tempo de viagem cai para metade, e o preço aumenta um bocado para reflectir isto e o maior conforto das composições.
Seria pedir muito que os Intercidades fossem remodelados, se necessário, para permitir o transporte de bicicletas? Seria pedir muito que fosse possível reservar bilhetes para uma viagem que incluam o lugar do passageiro e da sua bicicleta?
Será que a CP não vê que há um mercado imenso a ganhar de gente que agora não usa os seus serviços porque ou faz turismo de carro ou ainda não faz turismo de todo?
Resumindo, a melhor alternativa para estes 4 ciclo-activistas parece ser irem de carro, o que só ilustra a necessidade de ser tratar de ciclo-activistas…
Por aqui se vê a necessidade premente desta conferência e de outras iniciativas que promovam o debate, a troca de ideias, a divulgação, a promoção do turismo em bicicleta, onde a multi-, inter- e co-modalidade são peças fundamentais.