«As despesas associadas ao automóvel representam cerca de 18% do orçamento das famílias, em Portugal», segundo esta fonte. E isto será apenas as despesas associadas ao uso, as despesas com prestações da aquisição devem representar outro tanto… Duvida? Faça as contas:
- Prestações mensais da aquisição
- Seguros
- Imposto Único de Circulação
- Inspecções Periódicas Obrigatórias
- Combustível
- Manutenção & reparações
- Estacionamento (parquímetros, aluguer de garagem ou avença)
- Portagens
- Amortização*
* Os automóveis desvalorizam com o tempo. Esta fonte, por exemplo, refere uma desvalorização média de 12 % ao ano. Isto significa que ao fim de 8 anos ninguém lhe dá nada pelo seu carro velho, pelo que ao longo desses 8 anos tem que poupar ou ganhar dinheiro suficiente para, no final, comprar um novo, substituindo assim o bem. Essa poupança mensal necessária virtualmente é um custo escondido da posse de automóvel mas que tem que ser contabilizado.
Esta simulação, por exemplo, deu um valor de 7.900 € de gastos anuais com 1 automóvel. Claro que isto há-de variar muito de carro para carro e de pessoa para pessoa, mas dá uma referência. O Bruno Antunes fez as contas ao seu caso e poupa 230 € por mês, e até fez um simulador para outros fazerem as suas contas. E neste artigo descobriram que a despesa com o carro iguala a despesa com a casa nos primeiros 10 anos do carro!
Uma forma simples de estimar o custo do uso de automóvel próprio é utilizar o valor pago pelo Estado aos seus funcionários em subsídio de viagem quando estes usam o carro particular: 0.40 € / Km. Claro que este será um valor “por baixo” (o Estado, que paga, é que define as regras), e que não incorporará todos os custos da lista anterior (nomeadamente portagens e parquímetros, por exemplo). Para se aproximar mais da realidade, use 0.45 € / Km e adicione depois portagens e parquímetros.
Como poupar dinheiro no carro?
Tem duas hipóteses:
- Venda-o (se houver mais que 1 carro no seu agregado familiar, pelo menos venda os outros)
- Use-o menos. Use-o melhor.
Mas que alternativas há?
Se o carro é a sua primeira ou única escolha para todas as suas deslocações, independentemente da distância, do propósito, e do contexto, está a fazer uma utilização pouco criteriosa dos seus recursos. É um utilizador monomodal (recorre apenas a 1 forma de transporte), pelo que as ineficiências serão muitas. Torne-se multimodal, e intermodal.
Intermodalidade: conjugar diferentes meios de transporte numa mesma viagem. Exemplo, em vez de ir de carro de Porto Salvo (Oeiras) à Baixa de Lisboa:
- vou de bicicleta até Paço de Arcos, prendo-a no parque para bicicletas da estação, e vou de comboio até ao Cais do Sodré, e depois vou a pé até ao destino
Multimodalidade: seleccionar um meio de transporte diferente para cada tipo de viagem, consoante as variáveis da mesma. Exemplos:
- para ir ao supermercado comprar pão e fruta, vou a pé (se necessário levo um trolley de compras);
- para ir para o trabalho todos os dias vou de autocarro
- para ir com o meu filho ao parque, vou de bicicleta
- para ir à terra dos meus pais, na província, com a família, vou de carro
- para ir ter com alguém ao centro da cidade, vou de scooter
Deixe de comer bife com batatas fritas a todas as refeições, todos os dias. O menu da mobilidade é muito mais alargado:
- andar a pé
- andar a pé com acessórios (trolley, patinete, patins,…)
- bicicleta (normal, dobrável, eléctrica, triciclo, com reboque, de carga, etc)
- transporte público colectivo (autocarro, metro, comboio, barco, ferry, eléctrico)
- transporte público individual (táxi, carsharing, bikesharing)
- ciclomotor (scooters, por exemplo)
- motociclo
- automóvel (particular, em regime de carsharing, em regime de carpooling, alugado)
e ainda:
- mobilidade delegada: entregas ao domicílio, por exemplo
- mobilidade evitada: teletrabalho, videoconferência, videochamada, etc
Uma dieta saudável e sustentável inclui uma mistura criteriosa destes elementos, consoante as nossas necessidades diárias, sendo que o andar a pé deverá fazer parte, pelo menos parcialmente, de todas as nossas deslocações quotidianas por questões de saúde, bem-estar, socialização e cidadania.
A seguir, a bicicleta é a ferramenta mais polivalente e flexível, ao permitir a co-modalidade (transportá-la connosco dentro de outro meio de transporte), e ao expandir o alcance e a eficiência da rede de transporte público colectivo conjugando-o com um meio de transporte particular, de rota e horário livres, que faz a ligação do interface de transporte público ao nosso destino final, de forma prática, fiável, eficiente.
Quando e como poderá introduzir a bicicleta nos cenários de intermodalidade e de multimodalidade anteriormente exemplificados, depende de vários factores: onde vive, para onde vai, o que precisa de transportar, quanto tempo tem, quantas voltas precisa de fazer, etc, etc, etc. A bicicleta, tal como o carro, não é a melhor opção para toda e qualquer deslocação. Da mesma forma que dificilmente faz sentido pegar no carro para ir comprar pão ao café a 200 metros, não fará, normalmente, muito sentido pegar na bicicleta para transportar um sofá de três lugares para a outra ponta da cidade.
Os super-poderes da bicicleta
A pedelec (também conhecida por “bicicleta eléctrica”, e-bike ou “bicicleta com assistência eléctrica”)
Um exemplo prático. Viagem suburbana Casal da Choca, Porto Salvo (Oeiras) – Jardim da Estrela, Lisboa. Primeira sugestão do Google Maps (carro):
Porta-a-porta, se eu tivesse garagem em casa ou o carro estacionado gratuitamente à porta, seriam 20 minutos de viagem (17 Km), por cerca de 8 €. Mas isto não é assim para a maioria das pessoas da zona, pelo que de certeza que teria que caminhar entre 5 e 15 min para chegar ao carro. E se o tiver numa garagem, com avença, bom, o custo também não se fica nos 8 €. Além disso, esses 20 minutos é se não houver congestionamentos nenhuns, claro, o que não é, de todo, a regra dentro da cidade… Assim, uma estimativa média mais realista, embora optimista, seriam 40 min por 8 €.
Ajustando o percurso para um não interdito a bicicletas (e sem portagem):
Este mesmo percurso alternativo, em bicicleta (que tem acessíveis alguns atalhos que o carro não tem), fica em 18 Km. Numa pedelec faz-se bem em cerca de 40-55 min, e este tempo é muito pouco afectado pelos congestionamentos, pelo que é um valor fiável. E por um custo inferior a 1 €! Mesmo nas poucas vezes em que conseguimos ter o carro à porta de casa e não sofrermos atrasos com os congestionamentos, optar pela bicicleta permite-nos poupar mais de 7 € por viagem, e por um custo de apenas 20 minutos conseguimos ganhar 40 minutos de exercício físico ligeiro gratuito.
(Neste mesmo percurso, mas de carro, porta-a-porta, se eu tivesse garagem em casa ou o carro estacionado gratuitamente à porta, e sem congestionamentos, seriam 39 minutos de viagem, por cerca de 8.50 €.)
E se por alguma razão der jeito, pode sempre pôr a bicicleta no comboio, algo que não pode fazer com uma scooter, por exemplo.
Ah, e ter que levar uma criança entre os 9 meses e os 10 anos de idade para a deixar na escola a caminho, antes de seguir para o trabalho, também não é um impeditivo, basta instalar uma cadeirinha (até duas, uma atrás e outra à frente, fáceis de tirar e deixar na escola, por exemplo):
A bicicleta pedelec tem ainda uma vantagem significativa para quem, como eu, não tem necessidades regulares/fixas, diárias, de transporte [em bicicleta]. Uma pessoa que tenha a oportunidade de usar a bicicleta diariamente, em deslocações pendulares (ou seja, pelo menos 2 viagens / dia), rapidamente ganha um nível de forma física adequado ao percurso que faz habitualmente. Isto é, ao fim de um tempo, fá-lo rapidamente, sem exerção física excessiva e sem transpirar demasiado. Uma pessoa que faça o mesmo (ou outro) percurso com pouca regularidade (tipo 1, 2 ou 3 vezes por semana), não consegue uma adaptação tão eficiente. Nesse caso, uma bicicleta com assistência eléctrica permite-nos não nos desmotivarmos em sair de bicicleta por causa dessa falta de regularidade, mesmo quando o percurso é mais exigente (subidas, trânsito) e/ou longo.
A bicicleta dobrável (também conhecida por bicicleta “desdobrável”, “articulada”, “portátil”, e até “desmontável”)
Uma bicicleta articulada, que se pode dobrar de forma a ser transportada como qualquer outra bagagem de mão, permite-lhe tirar maior fiabilidade e eficiência do transporte público.
É mais rápido chegar à paragem ou à estação a pedalar do que a pé (e muitas vezes é mais rápido, e barato, do que ir até lá de carro, se contabilizarmos o tempo e o custo do estacionamento). A bicicleta pode carregar a nossa bagagem, aliviando as nossas costas.
Quando o transporte público se atrasa ou falha, temos sempre à mão um meio de transporte alternativo, pessoal, capaz. Dobrada, a bicicleta é bagagem, e pode ser levada em todos os transportes públicos sem restrições de horários ou taxas adicionais.
Temos, assim, sempre à mão uma forma autónoma de ligar o ponto A, de partida, ao primeiro interface de TP, transportando depois a bicicleta connosco no comboio/autocarro/barco/etc, e voltar a poder depender dela para a ligação entre o último interface e o nosso ponto de chegada B.
As bicicletas dobráveis funcionam bem também com o automóvel. Quando se dirige ao centro da cidade vindo de longe, pode usar o carro para chegar à periferia da cidade, estacioná-lo onde é rápido encontrar lugar livre, e onde este é grátis ou mais barato, sacar da bicicleta do porta-bagagem, e continuar a viagem até ao centro a pedalar, sem preocupações com o trânsito ou com o estacionamento. Um caminho que leva 20 minutos para fazer a pé (ou 20 ou 30 para fazer de carro, contando com o estacionamento), faz-se em menos de 5 minutos de bicicleta, porta[do carro]-a-porta.
De notar ainda que hoje em dia existem bicicletas dobráveis pedelec, juntando o melhor de dois mundos. A falta de espaço de parqueamento em casa ou no trabalho, a orografia, ou a distância, deixam de ser impeditivos reais do uso da bicicleta.
A bicicleta de cauda longa (também conhecida por bicicleta “longtail“, ou bicicleta de carga)
Quando se usa o carro para levar crianças à escola ou simplesmente para as levar a passear ou a outras actividades, arranjar uma alternativa ao carro pode passar por uma longtail.
Uma bicicleta longtail é uma bicicleta com uma traseira alongada (cerca de 40 cm), com uma estabilidade e capacidade de carga expandidas, tornando fácil transportar passageiros, adultos e crianças, e carga volumosa e/ou pesada.
Estas bicicletas têm “um porta-bagagem e um banco de passageiros” tal como está habituado no carro. Uma ida ao supermercado com duas crianças não é problema.
Dar boleia a um amigo também é banal.
Transportar 2 crianças atrás e 1 criança à frente também se faz.
É sempre possível transportar os filhos depois de eles já não caberem nas cadeirinhas.
Carga de todas as formas, pesos e feitios também se acomodam bem numa “cauda longa”.
Uma bicicleta destas substitui facilmente o carro em muitas das deslocações urbanas, com grandes benefícios (combate o sedentarismo, poupa dinheiro, por vezes até poupa tempo, é mais divertido e mais convivial). Se tiver assistência eléctrica, então, torna-se ainda mais versátil e competitiva.
Bicicletas “normais (também conhecidas por “biclas”, “binas”, “gingas”, etc)
Os 3 tipos de bicicleta anteriores são as principais apostas a nível de susbtitutos capazes e versáteis para o 2º (ou mesmo para o 1º) automóvel do seu agregado familiar. Mas há mais opções. Há as bicicletas “normais”. Umas mais equipadas e encorpadas que outras, consoante as necessidades e as preferências pessoais. Ter uma bicicleta leve e rápida dá jeito em algumas situações. O que perde em capacidade de carga e em conforto ganha em velocidade e leveza (bom para acartá-la por escadas, etc).
Mas como?
Se vender o 2º carro familiar facilmente recupera dinheiro para investir na diversificação da frota ao dispôr do seu agregado, e continua a ter 1 automóvel para as situações que o exijam. Também se pode desfazer do único carro do agregado e recorrer a um serviço de carsharing quando precisar de um carro. Alugar um ou recorrer ao táxi são outras opções. Quando não se tem encargos fixos com um carro, sobra mais dinheiro para estas coisas.
Exemplo daquilo em que pode converter o (1º ou pelo menos os) 2º e 3º automóveis:
- 1 scooter (desde 1.500 € – 2.000 €)
- 1 bicicleta citadina simples e light – desde 500 €
- 1 bicicleta dobrável (rodas pequenas, compacta, elevada portabilidade) – desde 800 €
- 1 bicicleta pedelec (com motor de assistência eléctrico) – desde 2.000 €
- 1 bicicleta de cauda longa (pedelec ou não) – desde 1.000 €
E estes são valores para opções de qualidade bem razoável. As opções mais low cost, quando existem, permitem um investimento inicial inferior, mas normalmente implicam custos acrescidos a médio prazo em tudo o que não seja um tipo de utilização ocasional e/ou cedências na performance, no conforto, etc.
O caminho para a libertação das famílias endividadas (ou o caminho para aquelas que querem ter mais dinheiro disponível para coisas interessantes) passa por uma racionalização do recurso ao automóvel particular. Nesse caminho, a bicicleta é a ferramenta mais eficaz. Quantas medidas de redução de custos conhece que lhe ofereçam tantos ganhos indirectos (saúde, bem-estar, prazer, poupança, melhor ambiente, convívio e socialização)? 😉
Para o ajudar na sua transição:
- Cenas a Pedal (equipamento, assistência & formação)
- Massa Crítica (activismo & convívio de ciclistas)
- Planeta Bicicultura (agregador de blogs de pessoas que usam a bicicleta como meio de transporte, bom para inspiração!)
- Transporlis (planeamento de rotas em transporte público)
- Google Maps (planeamento de percursos em automóvel / bicicleta, a pé, de transporte público [em Lisboa])
- ViaMichelin (planeamento de percursos em automóvel, em bicicleta ou a pé)
- De boleia (carpooling)
- Mob Carsharing (Lisboa) ou Citizenn(Porto) (carsharing)
- MUBi (associação de utilizadores de bicicleta como meio de transporte)
- FPCUB (federação de associações de ciclismo e utilizadores de bicicleta, anuidade oferece um seguro de RC e AP)
- Cicloficina (espaço de aprendizagem e faça-você-mesmo em mecânica de bicicletas)
- Lisboa Ciclável (mapa ciclo-temático)