Categorias
Exemplos Incentivos Mobilidade Notícias Políticas

Como criar novos ciclistas: programa “Cycle to Work” no Reino Unido

Cycle to Work (Pedala para o Trabalho) é um incentivo fiscal no Reino Unido que visa encorajar os trabalhadores a ir de bicicleta para o emprego, reduzindo assim a poluição do ar e melhorando a sua saúde.

Até hoje, mais de 400.000 pessoas aproveitaram o programa, envolvendo mais de 2.220 lojas de bicicletas de 15.000 empregadores.

O programa permite ao trabalhador beneficiar de um empréstimo de longa duração (geralmente 12-18 meses) de bicicletas e equipamento para comutar, como luzes, cadeados e alforges, totalmente isento de IVA (a compra é feita através da empresa empregadora, que abate o IVA dos produtos). No final, o empregado pode comprar a bicicleta emprestada por uma fracção do seu custo.

Exemplo da Joana (condições do Reino Unido):

  1. Sob o programa do seu empregador, a Joana escolhe ter o empréstimo de uma bicicleta com um PVP de 450 £.
  2. O seu empregador reclama o IVA – reduzindo o custo para 383.3 £.
  3. Este montante líquido é coberto pela Joana acordando um sacrifício de salário onde o seu ordenado bruto é reduzido em 21.28 £ por mês durante 18 meses.
  4. O custo líquido mensal para a Joana será 14.26 £ porque ela não pagará impostos ou segurança social no ordenado bruto (21.28 £) que ela sacrificou.
  5. No final do período de 18 meses, o empregador da Joana oferece a ex-bicicleta de empréstimo para venda a um preço justo de mercado (PJM), i.e., 50 £(para estabelecer o PJM, é por vezes pedido aos empregadores que obtenham orçamentos de lojas de bicicletas locais, dado que o valor da bicicleta dependerá parcialmente do nível de uso, embora em Agosto de 2010 tenha sido publicada uma lei que diz que o estado da bicicleta NÃO é um factor a ser considerado, e que bicicletas de mais de 500 £ com 1 ano de idade têm um PJM de 25 %).
  6. O custo para a Joana é:
    1. salário líquido abdicado 14.26 £ x 18 meses = 256.68 £
    2. Custo para comprar a bicicleta no fim do período = 50 £ (sob as regras antigas, mas não nas novas)
    3. Custo total para a Joana (68 % do P.V.P.) = 306.68 £

Os empregadores obtêm um pessoal em melhor forma física, mais saudáveis (menor absentismo), mais pontual, e mais desperto, reduzem o congestionamento e as necessidades de estacionamento, melhoram a imagem da empresa, e beneficiam de descontos na Segurança Social.

Os empregados beneficiam de melhor saúde e melhores bicicletas porque o seu dinheiro compra mais (equipamento ou qualidade) – descontos directos e distribuição do custo da compra por vários meses, e poupam na comutação diária (ao trocar o carro pela bicicleta, por exemplo).

A poupança típica para um contribuinte médio pode ser entre 38 e 45 %, embora uma nova lei recentemente aprovada possa alterar estes valores.

Agora, um estudo demonstrou que este programa governamental está a desempenhar um papel no encorajamento de mais pessoas a começar a usar a bicicleta, e a encaminhar negócios para a indústria das bicicletas. O estudo descobriu que 61 % das pessoas não iam de bicicleta para o trabalho antes de se inscreverem no programa, e 70 % classificaram-se a si próprios como ciclistas principiantes ou ocasionais, que agora iam de bicicleta para o trabalho. Dos 44.500 ciclistas inquiridos, são 27.145 novos comutadores de bicicleta graças a este programa de incentivo fiscal.

A importância do programa revela-se nos 76 % de participantes que declararam que não teriam comprado as suas bicicletas se não tivessem sido oferecidas através do programa, e nos 73 % que disseram que as poupanças oferecidas durante o programa foram o factor mais importante em aderir.

O programa Cycle to Work é um exemplo bem sucedido de como um incentivo financeiro pode ser usado para estimular mudanças no comportamento. (Da mesma forma que o incentivo do factor “practicalidade e custo” dos sistemas de partilha de bicicletas também cria ciclistas, mas sem o efeito secundário nefasto de eliminar peões e utilizadores de TP normalmente associado – 71 % dos participantes no estudo disseram que teriam ido de carro se não fossem de bicicleta.)

Por cá, nada. As bicicletas sem e com assistência eléctrica foram excluídas do pacote de benefícios fiscais aos “veículos não poluentes”.

E a única coisa que o Governo e as autarquias se desdobram em esforços de beneficiar e subsidiar, são os automóveis. Porque isso sim, reduzirá os custos públicos com a saúde (obesidade, doenças do sedentarismo, doenças respiratórias e vasculares, etc), com os mortos, estropiados e traumatizados nas estradas, com a manutenção do espaço público tomado de assalto diariamente debaixo das barbas da polícia e do Governo, etc, etc.

Categorias
Imagens Lifestyle e Cultura Mobilidade Notícias Pessoas Políticas Serviços CaP Videos

Ideias para Lisboa: António Costa de bicicleta entre o Intendente e a Praça do Município

O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, vai ter o seu gabinete num antigo armazém no Largo do Intendente, actualmente a sofrer obras de recuperação. A partir de Abril, e por 2 anos, será este o seu local de trabalho, para «“dar confiança às pessoas para investirem” nesta zona de “má fama”»:

António Costa diz que, quando mudar para o número 27 do Largo do Intendente, já só irá aos Paços do Concelho para participar em reuniões do executivo ou cerimónias. “As pessoas precisam de sentir que há um comprometimento efectivo do município e das autoridades para mudar esta zona e o seu estigma”, afirma, defendendo que esta sua decisão constitui “um impulso” para a requalificação da área da Av. Almirante Reis.

Ora, este novo gabinete do Presidente dista menos de 2 Km dos Paços do Concelho, num percurso praticamente plano. Ida & volta fica em 4 Km:

Alternativas ao dispôr do Presidente:

Automóvel – 6 min para cada lado, considerando que tem estacionamento reservado literalmente à porta em ambos os locais e que não há congestionamentos. Visibilidade: nula. Interacção com a cidade: nula. Custo pessoal: elevado (sedentarismo). Custo para os contribuintes: elevado (mín. 2 €/volta, se incluir motorista, houver muito trânsito, etc, aumenta, mais espaço público para parqueamento em ambas as pontas). Liderar pelo exemplo: falhanço total.

Caminhar – 20 min até à Praça do Município, 22 min para regressar. Visibilidade: elevada. Interacção com a cidade: total. Custo pessoal: nenhum, ganho de saúde pelo exercício físico leve. Custo para os contribuintes: zero. Liderar pelo exemplo: sucesso.

Transportes públicos – o Google estima em 9 a 11 min Largo do Intendente-Praça do Município, e 10 a 16 min o inverso, usando o Metro ou a Carris, respectivamente. Visibilidade: elevada. Interacção com a cidade: razoável. Custo pessoal: nenhum, ganho de saúde pelas escadas de metro subidas ou pelos troços caminhados. Custo para os contribuintes: passe Metro 19.55 € ou 1.80 €/volta. Liderar pelo exemplo: bom.

Bicicleta – os mesmos 6 minutos que o automóvel, com a diferença de que o tempo de viagem não é significativamente afectado pelo congestionamento, e que o estacionamento pode até ser mais fácil/rápido. Visibilidade: elevada. Interacção com a cidade: elevada. Custo pessoal: nenhum, ganho de saúde pelo exercício físico ligeiro. Custo para os contribuintes: praticamente zero. Liderar pelo exemplo: grande sucesso.

A competitividade relativa de alguns destes modos já António Costa conhece em primeira mão. E em 2007  já ele incorporava a bicicleta no seu discurso político:

Desde essa altura já foram implementadas pela CML algumas medidas tímidasem nome das bicicletas” (deixemos por agora as críticas à implementação técnica e às estratégias políticas à parte). Embora ainda andemos todos a suspirar pela bendita ciclovia ribeirinha (mas uma coisa mesmo bem pensada, integrada com o resto, e bem implementada) que nos permita pedalar por prazer, desporto ou transporte entre o Parque das Nações e Algés (e depois até Cascais). O potencial a nível de turismo “vá para fora cá dentro”, de fim-de-semana e não só, de turismo estrangeiro, de dinamização de actividades culturais e comerciais à beira-rio, etc, etc,… é difícil de compreender de que raio estão estas autarquias à espera…

A proposta

Lançamos então aqui o desafio ao Presidente António Costa para “vestir a camisola” e adoptar a bicicleta para se deslocar entre o seu gabinete e os Paços do Concelho, sempre que tal seja necessário.

vestir a camisola

Foto: FPCUB

Porquê de bicicleta?

  • Porque é o meio de transporte mais competitivo para o percurso em causa: o mais rápido, o que oferece tempos de viagem mais fiáveis, e o mais fácil de usar.
  • É o que mais dinheiro poupa à Câmara (a seguir ao andar a pé, claro, mas hey, time is money!).
  • Permite ao Presidente incorporar um pouco de exercício físico leve no seu dia-a-dia, usando o tempo dedicado a transporte.
  • Permite-lhe manter-se em contacto próximo com a cidade mas deixa-o gerir a velocidade a que o faz, e as oportunidades de interacção com os munícipes (é mais difícil chegar a horas a uma reunião indo a pé e tendo que lidar com interacções populares imprevisíveis).
  • Ter o Presidente da Câmara a passar na rua de bicicleta, vestido normalmente, no horário de trabalho, regularmente, fará mais para “reduzir o estigma” da bicicleta, “dar confiança às pessoas para investirem” neste meio de transporte, e fazer as pessoas “sentir que há um comprometimento efectivo do município e das autoridades para mudar” as condições para o uso da bicicleta na cidade, do que qualquer ciclovia, folheto ou campanha.

Não se trata de pedir a António Costa que passe a comutar casa-trabalho-casa diariamente de bicicleta, nem que passe a ir para todos os compromissos profissionais de bicicleta. Trata-se de incentivá-lo a escolher o meio de transporte mais adequado para cada situação. E esta, de comutação entre dois locais de trabalho, num percurso plano de 2 Km, tem “bicicleta” escrito na testa.

Claro que há pequenos cuidados prévios que, tratando-se do Presidente da capital do país, convém ter:

  1. Escolher o equipamento certo. E o que é certo para um Presidente de Câmara na capital portuguesa, numa cidade onde raríssimas pessoas em cargos políticos optam pela bicicleta (logo, onde a imagem de exemplo do Presidente deverá ser positiva, e aspiracional)? Uma bicicleta que não o deixe ficar mal. Bonita, eficiente, fiável, simples de usar. Uma bicicleta que lhe permita sentar-se no selim e arrancar, sem se preocupar com calças a sujarem-se ou rasgarem-se na corrente, com salpicos das rodas. Com iluminação e protecção anti-roubo integradas. Tem que estar preparada para poder transportar confortavelmente e em segurança pastas, portáteis, dossiers, o que seja. Tratando-se de Lisboa e considerando o percurso em causa, tem que garantir um mínimo de conforto pelos buracos e empedrados de Lisboa. Os acessórios para o adequado transporte de bagagem e para lidar com os eventuais dias de chuva também terão que ser contemplados. Não é este o look que pretendemos para estas deslocações em particular:

António Costa de BTT

Foto: FPCUB

É mais este:

Foto: The Sartorialist

  1. Preparar-se convenientemente. Não se tratando de um cidadão anónimo, é de particular importância que o Presidente aja sabendo o que está a fazer, e fazendo-o o melhor possível. Fisicamente, este percurso é acessível a qualquer nível de condição física, por mais sedentária que seja a pessoa (e se fosse por isso, podia sempre ir para uma bicicleta com assistência eléctrica, quem sabe assim a rede MOBI.E não passaria a contemplá-las também…). Mas convém praticar antes o controlo básico e a destreza na bicicleta. Depois há que ter noção da legislação aplicável ao condutor de uma bicicleta, e aprender as devidas técnicas de condução de bicicleta, para garantir o máximo de eficiência, conforto e segurança nas delocações do Presidente. Dicas de como transportar coisas, prender a bicicleta, gerir o esforço, lidar com a chuva ou com o calor também deverão ser abordadas.

Ora, nesta óptica, o Presidente António Costa até está numa situação privilegiada, pois tem logo aqui à mão a única empresa nacional totalmente especializada nisto mesmo. E Lisboa até tem o Bicycle Repair Man, para que o Presidente nunca fique apeado! 🙂

Mas mesmo que opte por não recorrer a profissionais para obter a necessária consultoria e formação, e se meta nisto sozinho ou com as dicas dos assessores disponíveis,  o que interessa é pegar na bicicleta, seja ela qual for, e usá-la, seja como for, e manter-se firme nisso!

Bolas, se outros Presidentes o fazem (Moita Flores em Santarém, Macário Correia em Tavira, Marisa Santos em Sines, Santos Sousa na Murtosa), porque não o nosso?

E tenho a certeza de que a percepção e compreensão das necessidades dos ciclistas seria muito mais rápida por parte da CML se o Presidente experienciasse a cidade, regularmente e num contexto utilitário, em cima de uma bicicleta.

Este post foi enviado ao Gabinete do Presidente. A ver se pega. 🙂

Categorias
Políticas Transportes Públicos Web e outros Media

As BUGAs a apodrecer

Triste, mas verdade. As cerca de 200 bicicletas do antigo primeiro sistema de ‘bikesharing‘ de 2ª geração em Portugal, as Bicicletas de Utilização Gratuita de Aveiro (BUGA) estão a ressentir-se da falta de investimento da autarquia neste ex-líbris da cidade. As BUGAs há muito que não funcionam como um sistema de bikesharing mas apenas como um conjunto de bicicletas de aluguer gratuito (como as BiCas em Cascais, por exemplo), mas continuam a ser algo associado à imagem turística de Aveiro. E deviam estar associadas à sua rede de transportes públicos, mas mesmo na “cidade das bicicletas” portuguesa a visão política não as vê como os elementos de valor acrescido que são.

Por cá pela capital, nem de 3ª, nem de 2ª nem de primeira geração, parece… 🙁

Categorias
Infraestruturas e urbanismo Mobilidade Notícias Políticas Videos Web e outros Media

Bicicletas em Lisboa

A bicicleta em prime-time na televisão (dia 4 de Dezembro de 2010, TVI):

No vídeo, o vereador José Sá Fernandes fala das BUP (Bicicletas de Utilização Pública) e é referido pelo jornalista que devem ser uma realidade em 2011. Vamos ver se isto vai, finalmente, pois tinham sido anunciadas inicialmente para 2009.

É um bocado chato que a conversa das bicicletas se resuma basicamente os número de quilómetros de ciclovias e, agora, vá lá, as BUP. Nada é dito dos parques de estacionamento e dos cursos de condução que, embora que não na escala e nível de qualidade necessários, têm sido feitos pela CML, por exemplo.

E é sempre preocupante ver a típica ilusória associação ciclovias = mais segurança, principalmente porque é sempre por quem tem menos noção dos perigos acrescidos das mesmas e, logo, quem tem menos capacidade de os identificar e escapar.

Mas o ponto positivo a realçar aqui é que a bicicleta e seus utilizadores e promotores vão tendo cada vez mais tempo de antena e isso é muito importante na promoção social e cultural do uso utilitário da bicicleta, essencial para se conseguirem cada vez melhores condições e maior reconhecimento dos direitos de quem opta por este modo.

Categorias
Mobilidade Políticas Transportes Públicos

A importância do sistema de bicicletas partilhadas em Lisboa

Lisboa tem em desenvolvimento há vários meses (ou serão já anos?) um concurso para a implementação de um sistema de bicicletas partilhadas na cidade, à semelhança de Barcelona, Paris, etc. O processo já tinha chegado ao ponto de selecção de apenas 1 concorrente, contudo, parece ter ficado em águas de bacalhau desde essa altura. Já ouvi falar em questões políticas – necessidade de fazer isto ser aprovado pela Assembleia da Câmara, onde a oposição poderia inviabilizar o projecto, e também em questões financeiras, porque o modelo escolhido ou proposto implicava a contribuição de alguns milhões de euros por parte da CML – cuja situação financeira tem andado nas lonas nos últimos anos. Aguardamos todos por notícias… Preferencialmente positivas, pois só seria aceitável matar o projecto por falta de dinheiro da CML se isso também servisse para deixar de subsidiar manutenção de estradas, táxis, etc, por exemplo. Se os outros modos de transporte, públicos e privados, são subsidiados, porque não as bicicletas públicas?…

Os sistemas de bicicletas partilhadas (a.k.a. bikesharing) fazem hoje parte da oferta básica de transportes públicos de qualquer capital que se preze. Actualmente vão na 3ª geração, e já têm uma história de 40 anos:

  • 1ª geração, 1964, Amsterdão. As bicicletas eram normais mas pintadas de branco, e postas à disposição de quem as quisesse usar, sem custos nem controlo de nenhuma tipo. Não resultou, desapareceram todas em pouco dias.
  • 2ª geração, 1995, Copenhaga. As bicicletas eram adaptadas a uso intensivo e bastante caracterizadas com publicidade. Podiam ser recolhidas e levantadas em vários pontos pela cidade, e funcionavam como os carrinhos de supermercado, depositando uma moeda. Contudo, ainda eram alvo de muitos roubos. O sistema de Aveiro, pioneiro em Portugal, era originalmente deste tipo.
  • 3ª geração, 1996, Portsmouth University (Inglaterra). Este sistema envolvia um cartão magnético que os alunos usariam para alugar uma bicicleta. Este e outros sistemas subsequentes – nomeadamente o 1º numa cidade, Rennes, em 1998, foram progressivamente melhorados com uma série de evoluções tecnológicas a nível da identificação dos utilizadores, pagamento, fixação das bicicletas, recolha e depósito das mesmas, etc.

A história destes sistemas avançou devagar até 2005, ano em que Lyon, a segunda maior cidade francesa, lançou o primeiro sistema de bicicletas partilhadas de 3ª geração de larga escala, Vélo’v, e tudo mudou a partir daí, principalmente depois de Paris ter implementado o seu mega-sistema, Vélib (ver vídeo aqui).

O impacto dos sistemas de bikesharing

Os sistemas de bicicletas partilhadas constituem uma mais-valia para o desenvolvimento de uma política para a mobilidade em bicicleta de uma cidade, e Lisboa precisa urgentemente de elaborar e implementar um bom plano de mobilidade em bicicleta.

(Fonte: mobiped.)

1) aumento do número de ciclistas / viagens feitas em bicicleta

É a maneira mais eficaz de pôr muito mais gente de repente a andar de bicicleta nas ruas, aparentemente (no sistema de Lyon 96 % dos utilizadores não usavam bicicleta no centro da cidade anteriormente) – bom, isso e as portagens urbanas…

(Clique para aumentar. Fonte: mobiped.)

Isso é bom porque dá mais visibilidade aos ciclistas, torna a experiência de andar de bicicleta uma referência cultural mais comum, o que se repercutirá, com o tempo, em maior segurança para todos os utentes do espaço público, e num melhor aprovisionamento das necessidades de quem anda de bicicleta, e em mais gente a andar de bicicleta (só 30 % do tráfego de bicicletas em Paris é em Vélibs, o resto são bicicletas particulares). As dores de crescimento iniciais são as infracções no trânsito, os conflitos entre ciclistas e outros condutores e entre ciclistas e peões, e os acidentes – isto ultrapassa-se com formação e campanhas de sensibilização e educação, e adaptação das ruas da cidade às necessidades e particularidades do trânsito em bicicleta (nomeadamente, permeabilidade máxima), e acalmia de tráfego automóvel.

Aqui há tempos analisei o efeito do Vélib no número de ciclistas em Paris, para provar a tese de que não foram as “ciclovias” parisienses criadas nos últimos anos as responsáveis pelo aumento das viagens em bicicleta, como frequentemente é dito, mas sim o sistema de bikesharing e outros eventos que levaram as pessoas a experimentar a bicicleta.

Fazendo uma análise não-exaustiva do estudo de mobilidade em Paris em 2008, página 11, gráfico da “evolução anual das infraestruturas cicláveis lineares” (isto inclui várias coisas, abertura de ruas de sentido único às bicicletas em contra-sentido, abertura de corredores BUS às bicicletas, “ciclovias”, etc), e página 12, gráfico do índice de evolução anual do número de bicicletas em circulação, combinado com os estudos similares de 2003 e 2006  (os únicos que encontrei publicados), fazendo umas tabelas e umas contas:

Em termos de aumentos anuais:

Considerei os valores do estudo de 2008 (o n.º de Km de vias até 2003 tem valores diferentes entre 1997 e 2003 no estudo de 2003…).

Daqui não salta à vista uma correlação forte que possa indiciar uma relação de causalidade entre “vias cicláveis” e número de ciclistas. Seria interessante poder comparar também a evolução de parques para bicicletas, campanhas de educação e formação de ciclistas, criação de zonas 30, a situação económica, as mudanças demográficas, etc. E, claro, poder desacoplar os vários tipos de “percursos cicláveis” criados (é diferente o design actual na Holanda e o design actual em França, como é diferente o seu contexto: recuperar utilizadores vs. angariar novos utilizadores para a bicicleta).

Há 3 anos cuja discrepância nestes pares de valores é acentuada: 2001, 2003 e 2007:

  • 2001: lei publicada em Janeiro levou à abertura dos corredores BUS às bicicletas (desconheço o impacto efectivo que isto poderia ter tido porque não sei quantos Km de corredores BUS havia para abrir, mas sei que no final de 2003 eram 118 Km, dos quais 47 Km com mín 4.5 m de largura; no final de 2007 eram 129 e 61, respectivamente). De repente, as “vias cicláveis” cresceram 42 %, mas o número de ciclistas só cresceu 6 %. Não houve nada a empurrá-los para experimentarem essas “novas vias cicláveis”.
  • 2003: n.º de ciclistas aumentou 33 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 9 %. As greves nos transportes públicos serão provavelmente a maior causa deste aumento. Independentemente de terem medo ou não de andar na estrada, não tinham alternativas melhores, pelo que se fizeram à estrada, de bicicleta. No ano seguinte o n.º de ciclistas não desceu para os valores anteriores, e as infraestruturas só aumentaram 4 %, o que indicia que as pessoas experimentaram e gostaram, e por isso optaram por continuar com a bicicleta, esquecendo a desculpa do “medo”.
  • 2007: n.º de ciclistas aumentou 31 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 8 %. A entrada em funcionamento do sistema de bikesharing Vélib será provavelmente a maior causa deste aumento. Neste caso as pessoas não foram empurradas para as bicicletas porque as alternativas ficaram de repente muito piores, mas sim porque de repente surgiu uma alternativa melhor do que o habitual. As Vélib tornaram o acesso e utilização da bicicleta *fácil*. Colmatou lacunas de ordem prática: quem recorre às Vélib não tem que ter espaço em casa para ela, não tem que procurar muito por estacionamento (é omnipresente), não tem que se preocupar com roubos, nem tem que despender obrigatoriamente dinheiro algum (na aquisição ou manutenção da bicicleta), e a bicicleta não condiciona em nada quando tem que recorrer à multimodalidade com os TP (ou outros). Além disso, com as Vélib de repente havia bicicletas por todo o lado, à mão de semear, o que despoletou o passo chave na adopção da bicicleta: experimentar (sem compromisso). Mais uma vez, o medo foi um factor facilmente ultrapassado. Gostava de saber como evoluíram estes valores em 2009, mas infelizmente parece que não foi ainda publicado esse estudo.

A impressão geral que eu tenho, pessoalmente, é que são os ciclistas a pedir e/ou a despoletar a criação de infraestruturas “cicláveis”, e não estas a originar mais ciclistas (haverão concerteza excepções que apenas confirmarão a regra).

2) aumento da atractividade e eficiência do transporte público colectivo

As bicicletas – partilhadas e particulares – são muitas vezes usadas para percorrer as pequenas distâncias entre casa e a paragem de autocarro ou estação de comboio, por exemplo, ou entre estes e o local de destino, mal servidas de transportes públicos, ou não servidas de todo, o que aumenta o alcance e a conveniência do sistema global de transporte público. Principalmente fora das horas de ponta e ao fim do dia e noite, e nos movimentos pendulares, especialmente os mais longos (em que a bicicleta sozinha deixa de ser tão competitiva).

Isto permite manter os novos utilizadores do sistema de bikesharing – um sistema de transporte público individual – clientes dos transportes públicos colectivos (93 % dos utilizadores do Velo’v são também utilizadores dos restantes TP), e talvez angariar novos clientes. Por outro lado, é expectável que também se percam alguns clientes, principalmente para as pequenas deslocações e os ‘errands‘ durante o dia (50 % das viagens no Velo’v eram antes feitas em TPC, 51 % no Bicing e 65 % no Vélib – fonte: ICE), mas o mais provável será que haja menos viagens em TPC mas sem grande diminuição nas receitas (pessoas continuam a comprar o passe, quando não o usam no metro e etc usam o bikesharing, receita igual mas menos passageiros – melhor para quem fica, menos apinhado). Em Lyon, a perda de utilizadores dos TPC é baixa pois muitos utilizadores do sistema mantêm o passe ou compram bilhetes individuais para outras deslocações, e 10 % de todos os utilizadores do Vélo’v usam o sistema conjugado com os TPC em viagens multimodais.

3) diminuição do número de deslocações feitas de carro particular

Das viagens feitas no sistema de bikesharing, 7 % eram anteriormente feitas de carro ou mota particular em Lyon, 10 % em Barcelona e 8 % em Paris (fonte: ICE). Isto reflecte-se numa mudança modal do carro particular para a bicicleta insignificante, e a diminuição de poluição, ruído e afins será provavelmente nula ou até negativa se considerarmos que a operação do sistema implica várias carrinhas e afins a reordenar as bicicletas nas estações (levá-las de onde se acumulam para onde escasseiam) todos os dias…

4) diminuição do número de viagens feitas a pé

Os sistemas de bikesharing têm um efeito negativo: fragilizam a cultura pedonal das cidades. Em Lyon, 37 % das viagens no Velo’v eram anteriormente feitas a pé, em Paris, 20 % e em Barcelona 26 % – fonte: ICE). Do ponto de vista individual, do peão, este consegue optimizar os seus tempos de deslocação, mas o andar a pé é fundamental numa cidade próspera, segura, e aprazível, e o único modo de mobilidade verdadeiramente universal. Ao reduzir ainda mais a proporção de deslocações feitas a pé (já em diminuição à medida que tem aumentado o uso do automóvel), a pressão para o adequado aprovisionamento de condições para andar a pé com níveis aceitáveis de acessibilidade, conectividadede, conforto, etc, reduzem-se ainda mais, ao haver um desvio de recursos para servir as necessidades dos modos dominantes: o automóvel, e agora cada vez mais as bicicletas.

Isto é também uma consequência do sistema de preços dos serviços de bikesharing, que privilegia os percursos curtos. De facto, as distâncias médias das viagens são inferiores a 3 Km, em Lyon são de 2.49 Km, a velocidade média de 13.5 Km/h, e o tempo médio das viagens é de 14.7 min.

Qual a importância e o efeito dos sistemas de bikesharing na distribuição modal nas cidades onde são implementados?

  • em cidades com pouco uso do automóvel (ex.: Paris), o potencial de desvio modal do TPC e do andar a pé para o bikesharing é maior do que do automóvel para o bikesharing
  • o efeito do desvio modal carro –> bikesharing, mesmo que pequeno, é mais sentido em cidades com centros muito densos (ex.: Paris)
  • o sistema de bikesharing permite retirar espaço dedicado ao automóvel (nomeadamente, usando lugares de estacionamento para colocar as estações)
  • facilmente se aumenta a % de viagens em bicicleta (ex.: em Paris mais que duplicou)
  • o principal efeito é a diminuição global da % de viagens feitas a pé, que é visível – nos carros, dada a elevada % de partida, é insignificante, e nas bicicletas, dada a insignificante % de partida, o aumento é elevado mas o resultado global ainda é pouco expressivo

Conclusões

Os sistemas de bikesharing bem implementados aumentam significativamente o número de pessoas novas a adoptar a bicicleta no seu quotidiano – usando bicicletas da rede ou bicicletas particulares. Porquê?

O bikesharing tira da equação os inconvenientes do uso de bicicleta própria:

  • o compromisso que implica o investimento inicial na compra da bicicleta
  • a necessidade de ter que passar pelo processo de compra da bicicleta (investigar e escolher, etc)
  • a falta de estacionamento prático e seguro em casa e no trabalho, e em todos os outros locais da cidade (serviços e espaços públicos e comerciais)
  • a preocupação e responsabilidade por roubos
  • as obrigações e os encargos: manutenção, reparações, limpeza, (seguros AP/RC?)
  • a falta de flexibilidade devida às pobres condições de intermodalidade e co-modalidade com os TPC

Os sistemas de bikesharing bem implementados não afectam dramaticamente a fatia da bicicleta na repartição modal. Porquê?

O bikesharing não oferece as vantagens do uso de bicicleta própria:

  • poder usar a bicicleta mais adequada às nossas necessidades e preferências a nível de conforto, usabilidade, performance, capacidade, etc – particulares e empresas, adultos e crianças, famílias, pessoas com necessidades especiais, etc
  • ter sempre uma bicicleta livre garantida (a nossa!) quando precisamos dela
  • poder assegurar que a nossa bicicleta está sempre nas melhores condições de funcionamento (conforto, eficiência e segurança)

O bikesharing não resolve os restantes principais obstáculos à circulação em bicicleta na cidade:

  • relutância natural das pessoas em circular nas vias rodoviárias normais, com o tráfego automóvel, causada por:
  1. “medo dos carros” (medo de acidentes e comportamentos hostis por parte dos condutores de veículos motorizados)
  2. desconforto devido ao ruído e poluição atmosférica, e congestionamento, associados ao elevado número e/ou velocidade dos automóveis
  3. inadequação das vias às características do tráfego de bicicletas – falta de aprovisionamento de rotas curtas e directas (permeabilidade urbana às bicicletas), temporização dos semáforos desadequada, níveis de degradação do pavimento inaceitáveis para bicicletas, falta de sinalização própria, acessos vedados, etc, etc

Assim, uma rede de bikesharing é uma peça-chave para a recuperação da bicicleta como meio de transporte para níveis visíveis, mas não é, de todo, suficiente. Como tal, a sua implementação não pode ser um acto isolado, mas tem que fazer parte de uma estratégia global alargada para a cidade, em que cada acção constrói e beneficia de sinergias com as outras – até para maximizar o sucesso do próprio programa de bikesharing. Essa estratégia global tem que abordar e resolver (ou pelo menos minimizar) os vários factores que, actualmente, constituem um obstáculo e um desincentivo ao uso de bicicleta particular em Lisboa. Estes são razoavelmente consensuais, o que parece levantar polémica é a importância atribuída a cada um individualmente e a eficácia e eficiência das medidas defendidas para os eliminar ou reduzir.