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Bicicletas em Lisboa

A bicicleta em prime-time na televisão (dia 4 de Dezembro de 2010, TVI):

No vídeo, o vereador José Sá Fernandes fala das BUP (Bicicletas de Utilização Pública) e é referido pelo jornalista que devem ser uma realidade em 2011. Vamos ver se isto vai, finalmente, pois tinham sido anunciadas inicialmente para 2009.

É um bocado chato que a conversa das bicicletas se resuma basicamente os número de quilómetros de ciclovias e, agora, vá lá, as BUP. Nada é dito dos parques de estacionamento e dos cursos de condução que, embora que não na escala e nível de qualidade necessários, têm sido feitos pela CML, por exemplo.

E é sempre preocupante ver a típica ilusória associação ciclovias = mais segurança, principalmente porque é sempre por quem tem menos noção dos perigos acrescidos das mesmas e, logo, quem tem menos capacidade de os identificar e escapar.

Mas o ponto positivo a realçar aqui é que a bicicleta e seus utilizadores e promotores vão tendo cada vez mais tempo de antena e isso é muito importante na promoção social e cultural do uso utilitário da bicicleta, essencial para se conseguirem cada vez melhores condições e maior reconhecimento dos direitos de quem opta por este modo.

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A importância do sistema de bicicletas partilhadas em Lisboa

Lisboa tem em desenvolvimento há vários meses (ou serão já anos?) um concurso para a implementação de um sistema de bicicletas partilhadas na cidade, à semelhança de Barcelona, Paris, etc. O processo já tinha chegado ao ponto de selecção de apenas 1 concorrente, contudo, parece ter ficado em águas de bacalhau desde essa altura. Já ouvi falar em questões políticas – necessidade de fazer isto ser aprovado pela Assembleia da Câmara, onde a oposição poderia inviabilizar o projecto, e também em questões financeiras, porque o modelo escolhido ou proposto implicava a contribuição de alguns milhões de euros por parte da CML – cuja situação financeira tem andado nas lonas nos últimos anos. Aguardamos todos por notícias… Preferencialmente positivas, pois só seria aceitável matar o projecto por falta de dinheiro da CML se isso também servisse para deixar de subsidiar manutenção de estradas, táxis, etc, por exemplo. Se os outros modos de transporte, públicos e privados, são subsidiados, porque não as bicicletas públicas?…

Os sistemas de bicicletas partilhadas (a.k.a. bikesharing) fazem hoje parte da oferta básica de transportes públicos de qualquer capital que se preze. Actualmente vão na 3ª geração, e já têm uma história de 40 anos:

  • 1ª geração, 1964, Amsterdão. As bicicletas eram normais mas pintadas de branco, e postas à disposição de quem as quisesse usar, sem custos nem controlo de nenhuma tipo. Não resultou, desapareceram todas em pouco dias.
  • 2ª geração, 1995, Copenhaga. As bicicletas eram adaptadas a uso intensivo e bastante caracterizadas com publicidade. Podiam ser recolhidas e levantadas em vários pontos pela cidade, e funcionavam como os carrinhos de supermercado, depositando uma moeda. Contudo, ainda eram alvo de muitos roubos. O sistema de Aveiro, pioneiro em Portugal, era originalmente deste tipo.
  • 3ª geração, 1996, Portsmouth University (Inglaterra). Este sistema envolvia um cartão magnético que os alunos usariam para alugar uma bicicleta. Este e outros sistemas subsequentes – nomeadamente o 1º numa cidade, Rennes, em 1998, foram progressivamente melhorados com uma série de evoluções tecnológicas a nível da identificação dos utilizadores, pagamento, fixação das bicicletas, recolha e depósito das mesmas, etc.

A história destes sistemas avançou devagar até 2005, ano em que Lyon, a segunda maior cidade francesa, lançou o primeiro sistema de bicicletas partilhadas de 3ª geração de larga escala, Vélo’v, e tudo mudou a partir daí, principalmente depois de Paris ter implementado o seu mega-sistema, Vélib (ver vídeo aqui).

O impacto dos sistemas de bikesharing

Os sistemas de bicicletas partilhadas constituem uma mais-valia para o desenvolvimento de uma política para a mobilidade em bicicleta de uma cidade, e Lisboa precisa urgentemente de elaborar e implementar um bom plano de mobilidade em bicicleta.

(Fonte: mobiped.)

1) aumento do número de ciclistas / viagens feitas em bicicleta

É a maneira mais eficaz de pôr muito mais gente de repente a andar de bicicleta nas ruas, aparentemente (no sistema de Lyon 96 % dos utilizadores não usavam bicicleta no centro da cidade anteriormente) – bom, isso e as portagens urbanas…

(Clique para aumentar. Fonte: mobiped.)

Isso é bom porque dá mais visibilidade aos ciclistas, torna a experiência de andar de bicicleta uma referência cultural mais comum, o que se repercutirá, com o tempo, em maior segurança para todos os utentes do espaço público, e num melhor aprovisionamento das necessidades de quem anda de bicicleta, e em mais gente a andar de bicicleta (só 30 % do tráfego de bicicletas em Paris é em Vélibs, o resto são bicicletas particulares). As dores de crescimento iniciais são as infracções no trânsito, os conflitos entre ciclistas e outros condutores e entre ciclistas e peões, e os acidentes – isto ultrapassa-se com formação e campanhas de sensibilização e educação, e adaptação das ruas da cidade às necessidades e particularidades do trânsito em bicicleta (nomeadamente, permeabilidade máxima), e acalmia de tráfego automóvel.

Aqui há tempos analisei o efeito do Vélib no número de ciclistas em Paris, para provar a tese de que não foram as “ciclovias” parisienses criadas nos últimos anos as responsáveis pelo aumento das viagens em bicicleta, como frequentemente é dito, mas sim o sistema de bikesharing e outros eventos que levaram as pessoas a experimentar a bicicleta.

Fazendo uma análise não-exaustiva do estudo de mobilidade em Paris em 2008, página 11, gráfico da “evolução anual das infraestruturas cicláveis lineares” (isto inclui várias coisas, abertura de ruas de sentido único às bicicletas em contra-sentido, abertura de corredores BUS às bicicletas, “ciclovias”, etc), e página 12, gráfico do índice de evolução anual do número de bicicletas em circulação, combinado com os estudos similares de 2003 e 2006  (os únicos que encontrei publicados), fazendo umas tabelas e umas contas:

Em termos de aumentos anuais:

Considerei os valores do estudo de 2008 (o n.º de Km de vias até 2003 tem valores diferentes entre 1997 e 2003 no estudo de 2003…).

Daqui não salta à vista uma correlação forte que possa indiciar uma relação de causalidade entre “vias cicláveis” e número de ciclistas. Seria interessante poder comparar também a evolução de parques para bicicletas, campanhas de educação e formação de ciclistas, criação de zonas 30, a situação económica, as mudanças demográficas, etc. E, claro, poder desacoplar os vários tipos de “percursos cicláveis” criados (é diferente o design actual na Holanda e o design actual em França, como é diferente o seu contexto: recuperar utilizadores vs. angariar novos utilizadores para a bicicleta).

Há 3 anos cuja discrepância nestes pares de valores é acentuada: 2001, 2003 e 2007:

  • 2001: lei publicada em Janeiro levou à abertura dos corredores BUS às bicicletas (desconheço o impacto efectivo que isto poderia ter tido porque não sei quantos Km de corredores BUS havia para abrir, mas sei que no final de 2003 eram 118 Km, dos quais 47 Km com mín 4.5 m de largura; no final de 2007 eram 129 e 61, respectivamente). De repente, as “vias cicláveis” cresceram 42 %, mas o número de ciclistas só cresceu 6 %. Não houve nada a empurrá-los para experimentarem essas “novas vias cicláveis”.
  • 2003: n.º de ciclistas aumentou 33 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 9 %. As greves nos transportes públicos serão provavelmente a maior causa deste aumento. Independentemente de terem medo ou não de andar na estrada, não tinham alternativas melhores, pelo que se fizeram à estrada, de bicicleta. No ano seguinte o n.º de ciclistas não desceu para os valores anteriores, e as infraestruturas só aumentaram 4 %, o que indicia que as pessoas experimentaram e gostaram, e por isso optaram por continuar com a bicicleta, esquecendo a desculpa do “medo”.
  • 2007: n.º de ciclistas aumentou 31 % enquanto as “vias cicláveis” cresceram apenas 8 %. A entrada em funcionamento do sistema de bikesharing Vélib será provavelmente a maior causa deste aumento. Neste caso as pessoas não foram empurradas para as bicicletas porque as alternativas ficaram de repente muito piores, mas sim porque de repente surgiu uma alternativa melhor do que o habitual. As Vélib tornaram o acesso e utilização da bicicleta *fácil*. Colmatou lacunas de ordem prática: quem recorre às Vélib não tem que ter espaço em casa para ela, não tem que procurar muito por estacionamento (é omnipresente), não tem que se preocupar com roubos, nem tem que despender obrigatoriamente dinheiro algum (na aquisição ou manutenção da bicicleta), e a bicicleta não condiciona em nada quando tem que recorrer à multimodalidade com os TP (ou outros). Além disso, com as Vélib de repente havia bicicletas por todo o lado, à mão de semear, o que despoletou o passo chave na adopção da bicicleta: experimentar (sem compromisso). Mais uma vez, o medo foi um factor facilmente ultrapassado. Gostava de saber como evoluíram estes valores em 2009, mas infelizmente parece que não foi ainda publicado esse estudo.

A impressão geral que eu tenho, pessoalmente, é que são os ciclistas a pedir e/ou a despoletar a criação de infraestruturas “cicláveis”, e não estas a originar mais ciclistas (haverão concerteza excepções que apenas confirmarão a regra).

2) aumento da atractividade e eficiência do transporte público colectivo

As bicicletas – partilhadas e particulares – são muitas vezes usadas para percorrer as pequenas distâncias entre casa e a paragem de autocarro ou estação de comboio, por exemplo, ou entre estes e o local de destino, mal servidas de transportes públicos, ou não servidas de todo, o que aumenta o alcance e a conveniência do sistema global de transporte público. Principalmente fora das horas de ponta e ao fim do dia e noite, e nos movimentos pendulares, especialmente os mais longos (em que a bicicleta sozinha deixa de ser tão competitiva).

Isto permite manter os novos utilizadores do sistema de bikesharing – um sistema de transporte público individual – clientes dos transportes públicos colectivos (93 % dos utilizadores do Velo’v são também utilizadores dos restantes TP), e talvez angariar novos clientes. Por outro lado, é expectável que também se percam alguns clientes, principalmente para as pequenas deslocações e os ‘errands‘ durante o dia (50 % das viagens no Velo’v eram antes feitas em TPC, 51 % no Bicing e 65 % no Vélib – fonte: ICE), mas o mais provável será que haja menos viagens em TPC mas sem grande diminuição nas receitas (pessoas continuam a comprar o passe, quando não o usam no metro e etc usam o bikesharing, receita igual mas menos passageiros – melhor para quem fica, menos apinhado). Em Lyon, a perda de utilizadores dos TPC é baixa pois muitos utilizadores do sistema mantêm o passe ou compram bilhetes individuais para outras deslocações, e 10 % de todos os utilizadores do Vélo’v usam o sistema conjugado com os TPC em viagens multimodais.

3) diminuição do número de deslocações feitas de carro particular

Das viagens feitas no sistema de bikesharing, 7 % eram anteriormente feitas de carro ou mota particular em Lyon, 10 % em Barcelona e 8 % em Paris (fonte: ICE). Isto reflecte-se numa mudança modal do carro particular para a bicicleta insignificante, e a diminuição de poluição, ruído e afins será provavelmente nula ou até negativa se considerarmos que a operação do sistema implica várias carrinhas e afins a reordenar as bicicletas nas estações (levá-las de onde se acumulam para onde escasseiam) todos os dias…

4) diminuição do número de viagens feitas a pé

Os sistemas de bikesharing têm um efeito negativo: fragilizam a cultura pedonal das cidades. Em Lyon, 37 % das viagens no Velo’v eram anteriormente feitas a pé, em Paris, 20 % e em Barcelona 26 % – fonte: ICE). Do ponto de vista individual, do peão, este consegue optimizar os seus tempos de deslocação, mas o andar a pé é fundamental numa cidade próspera, segura, e aprazível, e o único modo de mobilidade verdadeiramente universal. Ao reduzir ainda mais a proporção de deslocações feitas a pé (já em diminuição à medida que tem aumentado o uso do automóvel), a pressão para o adequado aprovisionamento de condições para andar a pé com níveis aceitáveis de acessibilidade, conectividadede, conforto, etc, reduzem-se ainda mais, ao haver um desvio de recursos para servir as necessidades dos modos dominantes: o automóvel, e agora cada vez mais as bicicletas.

Isto é também uma consequência do sistema de preços dos serviços de bikesharing, que privilegia os percursos curtos. De facto, as distâncias médias das viagens são inferiores a 3 Km, em Lyon são de 2.49 Km, a velocidade média de 13.5 Km/h, e o tempo médio das viagens é de 14.7 min.

Qual a importância e o efeito dos sistemas de bikesharing na distribuição modal nas cidades onde são implementados?

  • em cidades com pouco uso do automóvel (ex.: Paris), o potencial de desvio modal do TPC e do andar a pé para o bikesharing é maior do que do automóvel para o bikesharing
  • o efeito do desvio modal carro –> bikesharing, mesmo que pequeno, é mais sentido em cidades com centros muito densos (ex.: Paris)
  • o sistema de bikesharing permite retirar espaço dedicado ao automóvel (nomeadamente, usando lugares de estacionamento para colocar as estações)
  • facilmente se aumenta a % de viagens em bicicleta (ex.: em Paris mais que duplicou)
  • o principal efeito é a diminuição global da % de viagens feitas a pé, que é visível – nos carros, dada a elevada % de partida, é insignificante, e nas bicicletas, dada a insignificante % de partida, o aumento é elevado mas o resultado global ainda é pouco expressivo

Conclusões

Os sistemas de bikesharing bem implementados aumentam significativamente o número de pessoas novas a adoptar a bicicleta no seu quotidiano – usando bicicletas da rede ou bicicletas particulares. Porquê?

O bikesharing tira da equação os inconvenientes do uso de bicicleta própria:

  • o compromisso que implica o investimento inicial na compra da bicicleta
  • a necessidade de ter que passar pelo processo de compra da bicicleta (investigar e escolher, etc)
  • a falta de estacionamento prático e seguro em casa e no trabalho, e em todos os outros locais da cidade (serviços e espaços públicos e comerciais)
  • a preocupação e responsabilidade por roubos
  • as obrigações e os encargos: manutenção, reparações, limpeza, (seguros AP/RC?)
  • a falta de flexibilidade devida às pobres condições de intermodalidade e co-modalidade com os TPC

Os sistemas de bikesharing bem implementados não afectam dramaticamente a fatia da bicicleta na repartição modal. Porquê?

O bikesharing não oferece as vantagens do uso de bicicleta própria:

  • poder usar a bicicleta mais adequada às nossas necessidades e preferências a nível de conforto, usabilidade, performance, capacidade, etc – particulares e empresas, adultos e crianças, famílias, pessoas com necessidades especiais, etc
  • ter sempre uma bicicleta livre garantida (a nossa!) quando precisamos dela
  • poder assegurar que a nossa bicicleta está sempre nas melhores condições de funcionamento (conforto, eficiência e segurança)

O bikesharing não resolve os restantes principais obstáculos à circulação em bicicleta na cidade:

  • relutância natural das pessoas em circular nas vias rodoviárias normais, com o tráfego automóvel, causada por:
  1. “medo dos carros” (medo de acidentes e comportamentos hostis por parte dos condutores de veículos motorizados)
  2. desconforto devido ao ruído e poluição atmosférica, e congestionamento, associados ao elevado número e/ou velocidade dos automóveis
  3. inadequação das vias às características do tráfego de bicicletas – falta de aprovisionamento de rotas curtas e directas (permeabilidade urbana às bicicletas), temporização dos semáforos desadequada, níveis de degradação do pavimento inaceitáveis para bicicletas, falta de sinalização própria, acessos vedados, etc, etc

Assim, uma rede de bikesharing é uma peça-chave para a recuperação da bicicleta como meio de transporte para níveis visíveis, mas não é, de todo, suficiente. Como tal, a sua implementação não pode ser um acto isolado, mas tem que fazer parte de uma estratégia global alargada para a cidade, em que cada acção constrói e beneficia de sinergias com as outras – até para maximizar o sucesso do próprio programa de bikesharing. Essa estratégia global tem que abordar e resolver (ou pelo menos minimizar) os vários factores que, actualmente, constituem um obstáculo e um desincentivo ao uso de bicicleta particular em Lisboa. Estes são razoavelmente consensuais, o que parece levantar polémica é a importância atribuída a cada um individualmente e a eficácia e eficiência das medidas defendidas para os eliminar ou reduzir.

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Uns são filhos, outros enteados

Programa MOBI.E: Iniciativa portuguesa de mobilidade eléctrica que tem como objectivo posicionar Portugal como país pioneiro no desenvolvimento e adopção de novos modelos energéticos para a mobilidade sustentável.

GAMEP: Gabinete criado no âmbito do Ministério da Economia e da Inovação, que tem por missão coordenar toda a dinâmica da mobilidade eléctrica em Portugal, nomeadamente, o Programa MOBI.E.

Pelo que eu percebi numa breve incursão por este tema, e por este site, o governo do meu país criou um programa que usa os recursos públicos (onde se incluem os meus impostos – pessoais e da minha empresa que vende mobilidade em bicicleta) para oferecer aos cidadãos e empresas nacionais descontos na compra de automóveis state-of-the-art, ou seja, do mais moderno possível, a cerca de 11 marcas/empresas privadas estrangeiras, bem como descontos nos impostos e nos consumos energéticos associados ao seu uso. E dão um desconto extra-grande aos pioneiros, e a quem dê um carro antigo (a.k.a. obsoleto) para abate. Tudo isto, dizem, em resposta à «crescente dependência energética do petróleo e pelo enorme impacto ambiental resultado da utilização de combustíveis fósseis», apostando assim Portugal «em novos modelos energéticos para a mobilidade, que visam melhorar a qualidade de vida das cidades e de todos nós», e contribuindo «para uma mobilidade mais sustentável». Dizem ainda que encaram «este momento como uma oportunidade para mudar a forma como nos movemos».

Na verdade, isto é uma treta. Não pretendem mudar a forma como nos movemos, pretendem apenas mudar a fonte de energia que usamos para nos mover nessa mesma forma de sempre – o automóvel particular (normalmente de uns 4 ou 5 lugares). Não visam promover uma mobilidade mais sustentável, visam promover uma mobilidade automóvel mais sustentável. É diferente.

Incentivos à substituição de automóveis por motas ou bicicletas, eléctricas ou não) ou passes sociais nas empresas? Nada.
Incentivos à substituição de automóveis por motas ou bicicletas, eléctricas ou não) ou passes sociais nas famílias? Nicles.

Compro um carro eléctrico e dão-me 5.000 € de desconto no seu preço (6.500 € se entregar o meu carro velho mas funcional para ser destruído), e ainda me isentam do Imposto sobre Veículos (alguns milhares de €uros) e do Imposto Único de Circulação (algo como 80 a 600 € / ano). E depois ainda posso deduzir 30 % do custo do carro novo (até 803 €) no meu IRS; se for uma empresa posso abater as despesas associadas no IRC. And, last but not least, pago menos impostos sobre a energia para mover este meu novo carro, em vez de 21 % de IVA, pago só 6 % (e que se lixem as consequências do Paradoxo de Jevons). Se comprar uma bicicleta com assistência eléctrica não tenho direito a nada, nem descontos, nem isenções, nem taxas reduzidas (à parte a electricidade doméstica a 6 % de IVA). Infelizmente, esta política de 2 pesos, 2 medidas, não é exclusiva de Portugal.

De notar que o IUC (pago anualmente) é um imposto associado não à circulação do veículo (motorizado), mas à sua propriedade, e tem uma componente associada à cilindrada (33 % a 55 %) e outra às emissões de CO2 (77 % a 45 %). O ISV é pago na aquisição do veículo (motorizado) novo, e tem igualmente uma componente associada à cilindrada e outra às emissões de CO2. As emissões de CO2 são o factor “ambiental” usado pelo Estado, contudo, o CO2 é só um dos muitos poluentes atmosféricos emitidos pelos automóveis, pelo que este critério de discriminação da carga fiscal pode não ser muito eficaz a promover os veículos globalmente menos poluentes. O único imposto associado à utilização dos veículos motorizados é o ISP, o imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, agravado depois de IVA à taxa máxima. Num litro de gasóleo, do preço final ao consumidor, 17 % é IVA, 31 % (0.60 €) é ISP, e 52 % é o custo do combustível no fornecedor. Na gasolina 95 é 17 %, 43 % (0.55 €) e 40 %, respectivamente.

Quem arrecada esta receita (ou, neste caso, quem perde receita com estas borlas do Estado)?

Município de residência do proprietário: 100 % do IUC de motos c/ mais de 50 cm3 cilindrada; 70 % da componente respeitante à cilindrada dos automóveis ligeiros.

Estado: 100 % da componente do IUC respeitante à emissão de CO2 + 30 % da componente do IUC respeitante à cilindrada dos automóveis ligeiros; 100 % do IUC dos automóveis pesados de mercadorias e dos automóveis pesados de passageiros.

Parece que é um mau negócio para as autarquias, que continuarão a ter que suportar os custos da reparação e manutenção das estradas municipais degradadas pela circulação automóvel, perdendo, no entanto, as receitas associadas a esses automóveis (bom, a parte deles, Lisboa, por exemplo, recebe um fluxo brutal e anormal de carros vindos de outros concelhos, face aos carros locais, o que levanta este problema mesmo previamente a este programa do Governo).

Um pormenor interessante também é que, quanto mais cara à partida for a energia usada por um veículo, maior a receita do Estado em IVA, ou seja, quanto mais caro e ineficiente for o veículo em termos de consumo energético, mais proveitoso no imediato para o Estado. Isto significa que o Estado prefere ter-nos a todos a mover-nos sozinhos em carros com capacidade para 5 pessoas + carga do que em bicicletas [com assistência eléctrica]… E o ISP é a 4ª maior fonte de receitas fiscais para o Governo português. Ocorre-me perguntar qual é a contrapartida à perda desta enorme fonte de receita (e também desta), dado que a maior parte dos gastos e perdas públicas com os automóveis continuarão a existir (manutenção de vias, sinistralidade rodoviária, congestionamentos, etc) quando forem todos eléctricos. Sim, porque não me parece que o Governo abdique dela por suspeitar que vai valer a pena com o que vai poupar só na Saúde (menos doenças graças aos carros mais silenciosos e com menos emissões poluentes). Talvez isso não seja o suficiente. Terá a ver com algo mais macroeconómico, a nível da balança das importações / exportações de energia?…

Seja como for, está a parecer-me cada vez mais que quem não anda de carro está a subsidiar cada vez mais o uso de carro pelos outros. Toda aquela história, mais popular nos países com poucos ciclistas mas em crescimento (tipo EUA e Reino Unido) de “são os automobilistas que pagam as estradas“, implicando que são os donos destas e querendo afastar delas aqueles que eles vêm como parasitas – os ciclistas, que não pagam Imposto sobre Veículos, Imposto Único de Circulação, Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e IVA sobre o combustível, nunca fez sentido (são impostos que visam pagar os prejuízos provocados pelo uso do carro, não visam pagar a construção da infra-estrutura, isso vem da receita fiscal geral), mas o oposto começa a fazer. Apetece dizer a quem está nos carros, quando saímos de bicicleta, “saiam daqui e deixem-me passar, respirar e ouvir os pássaros, o vento e as pessoas, porque vocês não pagam o suficiente para compensar o que fazem à cidade…”

Quanto ao Mobi.e, se incluísse as bicicletas com assistência eléctrica, promoveria a adopção da bicicleta como meio de transporte tal como o faz com o carro eléctrico. Teria ainda a vantagem de permitir às pessoas investir em modelos mais baratos, com menor autonomia, e mais leves, porque haveria vários pontos ao longo do caminho onde poderiam recarregar a bateria.

Seria simpático, para não dizer simplesmente de elementar justiça e coerência com a alegada preocupação em «promover modos de transporte mais sustentáveis», anunciada com a aprovação do “Plano Nacional de Promoção da Bicicleta e outros Modos de Transporte Suave”, para o qual até criaram um Grupo de Trabalho inter-ministerial e tudo

Vejo com agrado a introdução de carros eléctricos nas nossas cidades, visto que os principais inconvenientes que encontro ao deslocar-me de bicicleta por elas, logo a seguir ao mau estado das infra-estruturas viárias, são a exposição à poluição atmosférica e sonora causada pelos automóveis (nomeadamente pelo puro excesso deles), que tornam a viagem desconfortável e, no limite, afectam a minha saúde. Contudo, sinto-me muito lesada enquanto cidadã pela forma como o programa de incentivos foi implementado, porque me parece claro que não integra uma estratégia simultânea de redução da competitividade do automóvel particular (eléctrico ou não) em meio urbano, não resolvendo assim muitos dos problemas graves, causados ou agravados pelo excesso de automóveis, que diminuem a minha qualidade de vida enquanto residente e trabalhadora na cidade. E sinto-me lesada enquanto utilizadora de bicicleta como principal opção de mobilidade (a par do andar a pé e do recurso ocasional aos transportes públicos), porque pago 21% de IVA sobre todo o equipamento que comprar para me deslocar de bicicleta, e não tenho acesso a estações de carregamento públicas onde pudesse recarregar a bateria de uma bicicleta eléctrica, e se quiser ter formação em condução e segurança rodoviária ou simplesmente aprender a andar de bicicleta para a usar depois como exercício físico, pago tudo a 21 %. Não beneficio de incentivo, desconto ou isenção nenhuma. E sinto-me lesada enquanto empresária porque o Estado não apoia esta nova tecnologia para uma mobilidade mais sustentável e uma maior eficiência energética que é,… tchanan… a bicicleta, e a bicicleta com assistência eléctrica, subsidiando a compra destes produtos (e serviços) e oferecendo incentivos fiscais, e ainda vai fazer isso mesmo (usando também o meu dinheiro) a quem pode ser considerado meu concorrente directo…

E António Costa, da autarquia de Lisboa, que, pelo Vereador José Sá Fernandes, recentemente tem investido em pavimentar faixas em passeios e permitindo e obrigando os ciclistas a circular pelos passeios dos peões em vez de na estrada dos veículos, com o pretexto de servir para promover o uso da bicicleta (tal como o serviço de bikesharing que têm estado a tentar implementar), tido como um objectivo do actual executivo, acha que «o carro eléctrico vai ser uma revolução para as cidades do séc. XXI». Não faz por menos, uma “revolução”. Vai concerteza revolucionar os inaceitáveis níveis de sinistralidade rodoviária, a epidemia da obesidade (e doenças associadas), os congestionamentos que nos dão doenças mentais e nos tiram produtividade, o estacionamento selvagem, a falta de espaço público de estadia, recreio, etc, and so on. É um milagre, o carro eléctrico.

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Palestra “Há pedalada em Telheiras!”

É no próximo dia 24 de Novembro, 4ª-feira, dia de greve geral, o dia ideal para optar pela bicicleta. 😉

poster palestra

Uma excelente iniciativa da Associação de Residentes de Telheiras, no âmbito da sua Iniciativa “Transição em Telheiras”.

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“Às voltas e voltinhas para chegar às aulas”

Nas páginas 8 e 9 do “Mundo Universitário” desta semana vem um artigo sobre as opções de transporte dos alunos: autocarro, comboio, carro, metro e bicicleta:

Rita Ricot, 27 anos
Dá aulas de Psicologia Cognitiva ao 1.o ano do curso de Psicologia do ISPA – Instituto Universitário e frequenta o 4.º ano do doutoramento na área de Psicologia Social. Todos os dias parte do Alto do Pina para Alfama a dar aos pedais de uma das suas bicicletas. Pela R. Barão Sabrosa e Av. Mouzinho de Albuquerque chega a Santa Apolónia num instante. «Se eu levar a minha ‘pasteleira’, 15 minutos é o normal. Se for na minha bicicleta de estrada são 10 minutos.» Para voltar, o percurso é diferente devido às inclinações e demora cerca de 25 minutos: sobe para o Campo de Santa Clara, com a bicicleta à mão, Graça, Morais Soares, Alameda e Bairro dos Actores. Foi há um ano que adoptou regularmente a bicicleta, quando esteve dois meses em Santa Bárbara, na Califórnia. Fazia 16 km todos os dias, de casa até ao Campus, e quando cá chegou nem quis outra coisa, até pelo tempo que poupa diariamente. Já a possibilidade de chuva não a demove. «Aqui em Lisboa nós normalmente temos períodos de chuva e depois temos uma aberta, e às vezes chove miudinho, mas não incomoda assim tanto.» Piropos como ‘fecha a janela’ ou ‘estás com a porta mal fechada’ são frequentes, mas para a Rita andar de bicicleta é uma liberdade. «Metes-te em cima da bicicleta e vais. Tens uma liberdade de acção completamente diferente do que se fores de carro, autocarro ou de metro. A mim dá-me logo energia.» Quer desmistificar a ideia de que Lisboa é difícil por causa das colinas e rouba uma frase que já ouviu de várias pessoas: «As colinas estão mais na nossa cabeça do que na nossa cidade.»

De lembrar que a bicicleta é um meio de transporte autónomo em si mesmo, mas facilmente conjugado com todos os outros, expandindo assim o seu alcance. Isto era um recado bom para o rapaz que usa o carro por falta de oferta dos TP a horas mais tardias, talvez deixasse de trabalhar para, em grande parte, sustentar o carro. 😉

No artigo só faltou o “andar a pé”, esse modo eternamente invisível, de que ninguém parece lembrar-se…

Uma excelente dica do António Cruz. 🙂