A Cenas a Pedal podia ter começado por aqui:
Foto: Trixi
Quando voltei à bicicleta em 2005, após um interregno forçado de 7 anos, das muitas coisas giras que descobri online ao longo de mais de um ano de ávidas e intensas deambulações e pesquisas, os pedicabs foram uma de entre várias ideias por que me apaixonei, e de cujo sonho vou acalentando. Quando, na sequência desse período de “imersão velocipédica”, resolvi criar com o Bruno a Cenas a Pedal, nos idos de 2006, esta foi das primeiras e principais ideias que acarinhámos. Em 2008, na visita à Spezi, na Alemanha, tivémos até o privilégio de conduzir um, quando apanhámos um pedicabbie muito simpático que nos levou até à estação de comboios. 🙂
‘Pedicab‘ é o termo inglês para designar um triciclo-a-pedal-táxi, também conhecido por riquexó. A propósito, alguém interessado em comprar um, estilo vintage? Há um à venda em Lisboa (e outro aqui).
Um “riquexó” é um «veículo de duas rodas para uma ou duas pessoas, puxado por uma pessoa a pé ou de bicicleta, frequente em cidades do Oriente», usando a definição da Priberam. O riquexó surgiu inicialmente como sendo, basicamente, uma carroça puxada por uma pessoa, há cerca de 150 anos.
Nos tempos mais recentes esta palavra evoluiu para incluir também versões modernas, e mais humanas, os triciclos riquexó, como os da primeira e segunda fotos, e os riquexós motorizados (tuc tucs e afins), que foram substituíndo (embora não completamente) os originais.
Na Ásia, onde surgiram e foram massificados, os pedicabs estão a desaparecer à medida que a sociedade se motoriza mais e mais (um reflexo da melhoria das condições económicas da população), e vão restando apenas como atracção turística:
Em contrapartida, no Ocidente, vão aparecendo mais e mais, também muito ligado ao turismo, mas não só, e utilizando veículos modernos, mais eficientes e menos duros para os condutores.
Há diversas marcas de pedicabs modernos, de posição de condução convencional ou reclinada, 3 ou 4 rodas, mais ou menos cobertos/fechados, com e sem assistência eléctrica, e com o condutor à frente ou atrás dos passageiros, sendo que os preços variam entre os 4.500 € e os 10.000 €, mais ou menos. Os modelos de negócio também variam, mas geralmente os condutores são trabalhadores por conta própria, que alugam os triciclos e obtêm depois o seu rendimento dos serviços de transporte (turísticos ou utilitários) que conseguem arranjar. Os proprietários dos triciclos vivem depois da publicidade nos veículos. E, claro, também há outros casos em que os condutores são funcionários da empresa. Os pedicabs são concorrência essencialmente para as charretes, onde estas existam (ex.: Sintra) e para os táxis automóveis normais.
Em 2006/2007 investigámos muito a ideia de trazer os pedicabs para terras lusas, marcas, modelos de negócio, legislação, etc, estabelecemos contacto com fabricantes, perguntámos por licenças e autorizações necessárias a Câmaras Municipais, IAPMEI, IMTT, etc. Desenvolvemos planos de negócio e até concorremos a programas de financiamento / apoio ao empreendedorismo. Infelizmente não tivémos sorte nessa frente, e o investimento inicial saía fora do nosso alcance (dois putos de 25 anos recém-saídos da faculdade, sem dinheiro nem crédito). Mas esse não era o único obstáculo, pois no processo descobri que o nosso Código da Estrada proíbe activamente o transporte de passageiros (adultos) em velocípedes. E sim, os pedicabs são classificados como velocípedes, pelo que não se tratava de uma questão de homologação nem, aparentemente, de licenças especiais locais. A resultar seria um pouco como os comboios turísticos, primeiro aparecem, depois regulamentam-se, o que são muitos “ses” para investir tanto dinheiro…
Não seríamos os primeiros tipos a usar pedicabs em Portugal, claro, nas minhas pesquisas enontrei referências a outras empresas, mas coisas pré-web 2.0, digamos assim. Haveria para aí pedicabs mas essencialmente usados em eventos e coisas do género. Com tudo isto, o sonho de nos tornarmos pedicabbies foi posto em stand-by. Mas outros tiveram a mesma ideia, e atiraram-se, apesar da legislação vigente. Houve uma falsa partida em 2007 com a Missão Zero, em Cascais, mas há hoje em Portugal, e desde 2007/2008, pelo menos duas empresas de pedicabs em operação, ambas usam a mesma marca de triciclos, embora não integrem a rede mundial de franchising da mesma.
Foto: Trixi
Os Funny Cruiser em Albufeira, e os CityCruisers em Setúbal. Esta última começou por funcionar em Lisboa, mas rapidamente se viu de mãos atadas pela legislação e falta de apoio das entidades públicas, e mudou-se para paragens mais progressistas, onde não se importam, e bem, de esticar os limites de uma lei desajustada da realidade…
Porque é que os pedicabs não proliferam e vingam em Portugal?
Esta questão é o exemplo acabado de como a falta de visão política e pró-actividade dos nossos políticos inviabiliza a inovação, e o desvio para a sustentabilidade nascido nas bases (vs. o que vem de cima, quando vem alguma coisa).
Há uma série de actividades com o potencial de criar emprego, de aliviar os congestionamentos, a poluição, o ruído, nas cidades, de contribuir para dinamizar a vida urbana e enriquecer o turismo, de promover social e culturalmente o estatuto da bicicleta como veículo utilitário, e de lhe dar visibilidade, que as rédeas-soltas dadas ao automóvel, a conivência das autoridades com o desrespeito pelas leis (estacionamento, circulação, velocidade,…) pelos seus condutores, e o subsidiamento público que é feito a estes, em detrimento de todos os outros modos (transportes públicos, peões, ciclistas), matam à nascença, porque o automóvel é sempre mais competitivo globalmente (vai a todo o lado, mesmo onde não pode, e estaciona em todo o lado, mesmo onde não pode, sempre impunemente). Os pedicabs são uma dessas actividades (a par da micro-logística em bicicleta, e até da publicidade móvel em bicicleta, etc).
Temos um Código da Estrada obsoleto, desajustado da realidade técnica, científica e social actual, e negativamente discriminatório dos condutores de velocípedes relativamente aos condutores de veículos motorizados.
- o CE proíbe o transporte de passageiros adultos em velocípedes (mesmo que seja um desenhado e preparado para tal)
- o CE obriga ao uso de capacete pelos condutores de velocípedes a motor (a obrigatoriedade geral do uso de capacete é totalmente descabida, mas ainda mais num veículo de 3 rodas e com cabina…)
- o CE proíbe os triciclos e quadriciclos a pedal (velocípedes e velocípedes com motor) de circular nas ciclovias quando estas existam (há uma série de utilizadores de bicicleta que ficam excluídos de usufruir legalmente de muitas vias turísticas e recreativas)
- as ciclovias que se vêm em Portugal são subdimensionadas em largura para bicicletas normais, quanto mais para triciclos e afins (principalmente tendo em conta a lei anterior)
- as ciclovias em Portugal incluem demasiadas vezes degraus, curvas cegas e/ou demasiado apertadas, etc
- o piso degradado (buracos, lombas, etc), misturado com carris e empedrado, um cenário demasiado comum em Lisboa, por exemplo, torna a cidade pouco tolerável para quem não se desloca num automóvel…
Esta situação ilustra o tipo de coisas que têm que ser alteradas no nosso Código da Estrada, e cujos esforços nesse sentido devemos apoiar.
Ao contrário do que a CML e o IMTT parecem ter avançado, a lei é bastante clara quanto aos pedicabs: são proibidos. A excepção é o transporte de crianças, desde que usem capacete (outro disparate, dado o veículo em causa), uma vez que se pode considerar o pedicab um “dispositivo especialmente adaptado para o trasporte de crianças”.
O Trikidoo é uma versão light de um pedicab para levar miúdos.
De qualquer modo, aparentemente não terá sido este obstáculo legal a ditar o desaparecimento dos CityCruisers de Lisboa, mas sim a falta de licença concedida pela Câmara para estes veículos acederem e circularem por zonas pedonais (é o que depreendo da notícia, não haveria razão para terem que estacionar os triciclos em cima de passeios, podem muito bem ser parqueados na estrada). Se assim for, realmente, a história repetir-se-á para este projecto mais recente.
Sofremos, assim, duplamente, pela falta de zonas pedonais, livres de automóveis (em número, extensão e conectividade), e pela falta de tolerância para com estes transportes públicos, os pedicabs, a título de excepção, nas poucas que existem (e com maus acessos, muitas vezes). Comparem com Barcelona:
Este é apenas um exemplo de para que deveria servir uma alteração ao CE e o Plano Nacional de Promoção da Bicicleta e Outros Modos Suaves…
4 comentários a “Pedicabs, a.k.a riquexós”
Parabéns pelas dicas e pesquisas.
Sou um fã de bikes e estando desempregado farto-me de ver videos de pedicabs e já pensei mandar vir um da China por 3 mil euros. Porém, parece que não dá para imitar outros países, mesmo europeus como a Alemanha, onde estes triciclos custam 10 mil euros (melhor qualidade), mas podem trabalhar em turismo urbano.
Por favor, não desistam desta luta. Estou convosco.
Olá Carlos,
Entretanto já mudou muita coisa desde este post! 🙂
Os pedicabs já são legais e até a obrigatoriedade do uso de capacete foi “dada a volta” pela ANSR, apesar de o CE ainda não ter mudado.
Mas sim, um bom pedicab não fica em menos de 6000 €, e aqueles mais xpto sim, 10.000 €, por aí. Se quiser começar com um bom mas a um preço aceitável, contate-nos, podemos fornecer-lhe o da Christiania.
Parabéns pela vossa iniciativa não desistam, o país necessita de iniciativas inovadoras e solucionadoras de alguns dos problemas da nossa sociedade, pelo menos a curto prazo e ao nosso alcance, a vossa iniciativa é uma delas, apesar dos entraves não desistam , pois neste país só se consegue algo com muita persistencia. Dou-vos uma ideia que não sei se já tiveram: angariar assinaturas para apresentar o vosso projecto ao governo. Se tiverem essa ideia contem com a minha assinatura.
Agora conto-vos a minha persistência, tenho 3 filhas, 3, 9, 11 anos, a de 11 anos tem microcefalia e paralesia cerebral,dependente de terceiros para tudo, move-se em cadeira de rodas empurrada por teceiros, tem 95% de incapacidade, apenas vê e ouve bem, para além deste facto, vivemos na Pampilhosa da Serra, concelho lindo, com ótimas saídas para Turismo, mas com uma rede de transportes públicos péssima, eu tenho carro mas pelo andar da situação, e ainda por cima criando as minhas filhas sozinha, pensei em procurar uma solução mais económica, ecológica e saudável, lembrei-me do pedicab, tenho estado á procura na Net, mas não encontrei nenhum fornecedor em Portugal, e queria encontrar um que não fosse care3iro , já que não posso passar dos 1500€ de orçamento, por isso se não fosse muito incómodo , queria pedir a vossa ajuda para encontrar um com estas características. Se souberem de alguma coisa por favor contactem-me. Muito obrigada, e não desistam na persistência é que se chega longe.
Olá Carla,
Obrigada pelo apoio.
Infelizmente não conheço oferta de pedicabs no mercado nesse valor. A não ser que encontre um bom usado, duvido que encontre algo aceitável por esse preço. :-\
Um pedicab seria realmente uma boa alternativa para transporte local da Carla e das suas filhas, em vez do carro. Mas um modelo razoável novo ficará concerteza em 4.000 € ou 5.000 €. Se precisar de assistência eléctrica (para expandir o alcance do triciclo, em termos de distância ou de declives), terá que contar com mais uns 2.000 € ou mais.
Lamento não a poder ajudar mais.
Disponha.
Cumprimentos,
Ana