Pelo que tenho lido (exemplo aqui), as primeiras ciclovias surgiram como um benefício, um privilégio para os ciclistas, ao oferecer vias pavimentadas, visto que as estradas eram tradicionalmente em empedrado (pouco amigável para as bicicletas hoje em dia, imaginem para as de há 100 anos atrás…), as (boas) estradas eram as ciclovias. Quando a qualidade das estradas em geral melhorou, e à medida que os automóveis foram surgindo, em sítios como Copenhaga, estavam em muito menor número do que as bicicletas, e circulavam “misturados”, à mesma (baixa) velocidade. Vejam, nomeadamente, o primeiro e último terços deste filme sobre a Copenhaga de 1953:
[Via]A partir daí as ciclovias passaram do centro da estrada para as bermas, e foram tornadas compulsórias. O objectivo era retirar os ciclistas das estradas principais aliviando o trânsito para benefício dos que se faziam transportar em automóveis. Esta continua sendo a mentalidade aproximada predominante na maior parte dos locais onde são defendidas e implementadas ciclovias, mesmo que escondida debaixo da ilusão da segurança dos ciclistas.
Este não é um post elaborado, pretendo semear apenas algumas questões e reunir algumas das coisas que vi mais recentemente.
Vejam este vídeo sobre “um congestionamento” em Copenhaga:
Reparem que a via mais à direita (à esquerda no vídeo) é só para bicicletas, a imediatamente ao lado é BUS, e a outra para o restante tráfego. Reparem ainda que é uma via de largura igual às outras (oferece espaço de segurança face aos veículos que circulem na via ao lado e no passeio, permite espaço para ultrapassagens dentro da via – comparem com o que vêm em Portugal), e já agora, o passeio ali é tão largo quanto uma dessas vias. Reparem que só a via das bicicletas (de onde elas não podem sair, penso, a lei é similar à nossa, parece-me) é que está congestionada, mas os ciclistas não podem simplesmente distribuir-se pela outra via (a outra, não a do BUS), pois essa está, por oposição, reservada aos automóveis.
Outro vídeo sobre infraestruturas, esta nos EUA:
Este vídeo é muito interessante, bastante explicativo:
Não vou comentar o seu conteúdo agora, mas peço que comparem o que vêm com o que vêm em Portugal, a nível de largura de vias para bicicletas, tipo de pavimento, marcações no pavimento, sinalização vertical, pintura do pavimento, etc. Apercebam-se também do tipo de ruas em que as estruturas são implementadas, nomeadamente na larguras das mesmas, muito maiores que em Portugal.
Outros recursos avulsos interessantes a estudar:
Segregated cycle facilities – Wikipedia
Ciclovia – Wikipedia
Toronto Bicycle/Motor-Vehicle Collision Study (2003)
IBPI Bicycle & Pedestrian Tour and Learning Center
America’s top bike minds ask for (and receive) advice from Europe
Transatlantic Active Transportation Workshop
Why “bike-boxes” fail.
Comentários no post Outras cidades no blog Klepsýdra.
Outro recurso a não perder, para quem se interessa por isto, são os vídeos do Mark, sobre a infraestrutura na Holanda. Por exemplo, este, que linka para 8 vídeos:
Precisamos de desenvolver massa crítica (e participativa) na questão das infraestruturas viárias (e não só) para ciclistas (e peões, já agora…), em Portugal. Por isso, toca a estudar, pessoal. 😉
7 comentários a “Coisas avulso sobre “ciclovias””
Outro exemplo na Holanda: antes e depois. É este “salto de imaginação” que temos que dar e ajudar a dar.
Esse exemplo de antes e depois, deixa pouco espaço para desculpas.
Excelente posta, Ana! Não esquecer que antes da discussão se devemos segregar ou integrar a bicicleta, o que devemos exigir é desenho urbano e medidas para diminuir a velocidade e quantidade de carros no percurso. Se o fizermos a discussão, na maior parte dos casos, deixa de fazer sentido. Miguel, um dos erros mais frequentes é olharmos para uma rua tal como está projectada neste momento (geralmente mal) como uma fatalidade. Em muitos casos parece óbvio que a única forma de usar a bicicleta numa determinada via é de forma segregada – temos todos muito mais dificuldades em imaginar a rua a funcionar de outra forma, que imagina-la tal como está, mais uma pista ou banda para bicicletas. É esse o esforço que temos que exigir dos projectistas. Geralmente diminuir a velocidade e quantidade de automóveis nem é mais caro que segregar a bicicleta – mesmo que seja, ao reduzirmos as velocidades e a quantidade de carros, estamos a trabalhar para a sustentabilidade da cidade e para o benefício de todos. Mais: se assim o fizermos aumentamos as probabilidades de transferências modais que desejamos (do carro para a bicicleta), se construímos ciclovias com a vontade de seduzir ciclistas infelizmente concluímos que estes são ex-peões ou utentes de Transportes Colectivos.
Ver este exemplo espanhol, onde já começam a perceber os problemas da segregação e os benefícios da integração: Esta ciclocalle, explicó ayer el alcalde, Luis Rogelio Rodríguez-Comendador, «no segregará a los ciclistas del tráfico, sino que los integrará bajo unas condiciones de seguridad mayores». Además, apostilló, «no es excluyente, ya que está permitida la circulación de todos los vehículos y medios de transporte»
Entretanto pedi uma pequena reunião com o responsável pelo projecto das ciclovias em Lisboa (o vereador Sá Fernandes) à qual espero resposta, para esclarecer algumas dúvidas que me assolam nesta matéria. Tinha aqui uma listinha (feita muito à pressa) de perguntas a fazer, que decido partilhar aqui para obter comentários e quem sabe outras sugestões. E quem sabe se alguém estará interessado em vir comigo (se é que receberei resposta) porque isto de enfrentar autarcas sozinho é um pouco intimidante 🙂
Reunião ciclovias CML
– As ciclovias são abrangidas por vários departamentos? Porquê? não deveria ser da responsabilidade de uma divisão de Transportes?
– Bicicletas de uso partilhado? Terão assistência eléctrica? Quantos pontos de estacionamento? Em que pontos estratégicos (Perto de estações de Metro, Comboio? Lojas? Escolas?
– Ciclovias no passeio? Porquê? Alternativas na estrada?
– Políticas de acalmia de trânsito no cidade. Zonas 30? de que forma serão implementadas? Barreiras físicas ou alteração da via para uma redução de velocidade voluntária?
– Ciclovias articuladas com outras medidas? Sensiblização da população? Informação? Uso em transportes públicos? Adaptação de transportes públicos?
– Medidas de fiscalização de estacionamento em passeios e ciclovias?
– Quem decide os percursos das ciclovias anda de bicicleta? É essencial que isso aconteça para se ter traçados realmente úteis.
– Co-existência de automobilistas, ciclistas e peões no espaço público. Porquê a política desequilibrada que desfavorece sempre o peão e o ciclista em relação ao automobilista?
– Exemplos NYC: pdf e ridethecity.com e vídeo
– Os projectistas estudaram exemplos de outras cidades com mais experiência em projectos desta natureza? Consultam algum tipo de perito na matéria? Esse perito usa a bicicleta como veículo?
Cumprimentos
Miguel Cabeça
Eu acho que uma reunião é sempre útil (e voluntario-me para o acompanhar, caso tenha sucesso no pedido), mas gostava muito mais de participar numa excursão, numa visita de estudo e debate das ciclovias de Lisboa, onde se pudesse discutir em tempo real todos os pormenores das mesmas, trocar ideias, fazer perguntas e obter respostas imediatas. Talvez com mais disponibilidade lance essa ideia, o tempo e a energia não vão dando para todas. 😛
Cumprimentos,
Curioso, estou neste momento extremamente interessado neste assunto e alguns dos links e vídeos já os tinha consultado no meu processo de estudo. Neste momento estou completamente dividido entre dois conceitos.
O conceito vehicular cycling apresentado pelo famoso John Forester e explicado em Português pelos recursos do Mário Alves (
http://mariojalves.googlepages.com/ ) que insiste com alguma razão em manter as bicicletas como veículos integrados no trânsito.
O conceito de ciclovias adoptado em grande parte dos países nórdicos apresenta desvantagens claras em termos de segurança nas intersecções, mas cria uma falsa sensação de protecção do trânsito motorizado que pode chamar mais pessoas para a bicicleta como meio de transporte urbano.
Neste momento desloco-me da Avenida da Igreja até ao IST pela avenida de Roma diariamente e não sinto necessidade nenhuma de ciclovias, antes pelo contrário, penso que me iriam atrasar mais e tornar mais perigosa a passagem pelos vários cruzamentos existentes ao longo desta artéria. No entanto a minha mulher só anda comigo nesta via ao fim de semana quando o trânsito é muito mais diminuto.
Neste momento inclino-me para a opinião de que as ciclovias (ou faixas de bicicletas) são um mal necessário para atrair mais pessoas para o uso de bicicleta como transporte e para a familiarização dos automobilistas Lisboetas com as bicicletas na estrada. No entanto continuo a achar que o lugar da bicicleta é na estrada juntamente com o trânsito motorizado (a circular mais lentamente) e não numa faixinha provavelmente projectada por que não anda de bicicleta 🙁
Cumprimentos
Miguel Cabeça
Eu identifico-me bastante com a “escola” do Forester e do Franklin (este último escreveu o manual usado na formação de Cycle Training Instructor pelo CTC que fizemos), os maiores vultos, provavelmente, nesta área, embora ainda tenha muito que aprender, e muitos livros aqui na prateleira à espera de tempo para os estudar. E mantenho uma mente aberta, e flexível, embora busque a coerência e consistência. Em Junho passado o Forester publicou uma espécie de manifesto que acho que se aplica igualmente a Portugal. Na altura pedi-lhe autorização para o traduzir, que foi concedida, mas nunca cheguei a ter tempo para tal, perdeu-se na interminável “to do list”. 🙁
As pessoas muitas vezes aceitam a perda de segurança objectiva das ciclovias, porque defendem que o aumento de ciclistas que a maior segurança subjectiva consegue é mais importante. Eu não aceito bem este trade off, não aceito que a segurança dos ciclistas seja sacrificada em nome do simples aumento dos mesmos. E não aceito que a segurança, liberdade, conforto e eficiência dos ciclistas competentes seja sacrificada pelo mesmo motivo. Tem que haver outra maneira.
Em Portugal estão a importar a ideia de ciclovias como se fosse a solução mágica, e pior, como se fossem extrapoláveis assim, automaticamente. Mas a nossa legislação é diferente da dos países nórdicos. E para as ciclovias funcionarem nos nossos cruzamentos mais como funcionam nos deles teríamos que recorrer a muita sinalização. Do modo como a nossa legislação e a implementação das ciclovias no terreno está feita, as ciclovias transformam operadores de veículos em peões com acessórios de mobilidade que têm que efectivamente parar para ceder passagem sempre que a há uma intersecção da ciclovia com a faixa de rodagem principal.
As ciclovias fazem sentido essencialmente onde não há sequer acessos rodoviários gerais (oferecendo acessos mais directos, ou atalhos, ou proporcionando simplesmente percursos mais “cénicos”, turísticos, etc), ou onde o perfil dos mesmos é incompatível com a circulação ou simplesmente inconveniente.